Thais Calazans, a historiadora que ressignifica o erotismo
através da arte
Historiadora e desenhista quer entender o passado para
ressignificar o presente: "A prostituição não está no campo do erotismo,
está no do trabalho. Muitas coisas tidas como eróticas na verdade não são
eróticas."
By RYOT Studio e CUBOCC
Thais Calazans, de 25 anos,olha seus desenhos com carinho,
sem qualquer soberba. A historiadora e artista plástica mestranda em História
pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB) classifica a arte como seu ópio.
Com papéis especiais, nanquim, tinta preta e vermelha, ela pinta corpos que
comunicam. Mas engana-se quem achou que ela descobriu esse talento cedo. Ela
nunca pensou em desenhar, a não ser por hobby. Na infância, já gostava de
rabiscar corpos, mas desistiu porque não conseguia absorver a técnica. "É
assim que a criança é podada de sua criatividade", afirma em entrevista ao
HuffPost Brasil.
Assim, a arte como forma de libertação acaba sendo
enquadrada por um modo pré-estabelecido de fazer determinada coisa – desenhar,
por exemplo – e, aos poucos, a verdadeira expressão fica deixada de lado. E o
problema está em deixa de expressar-se artisticamente por não conseguir
alcançar um padrão estético dito como desejável; para Thaís, essa cobrança veio
quando uma professora de desenho técnico lhe disse que ela "era a pior
desenhista da turma".
Acontece que todo mundo sabe desenhar. Eu não desenho milimetricamente-
eu desenho porque não consigo não desenhar, desenhar é o meu ócio.
Hoje, o que ela mostra, é algo que deixaria a professora
muito orgulhosa. Mas antes de chegar onde está, suas escolhas a levaram para
outro lugar: foi só depois de cursar Tecnologia da Informação e Administração,
que ela se rendeu à paixão verdadeira por arte, aliada à ânsia de querer
entender o passado para ressignificar o presente.
O ímpeto de desenhar voltou à sua vida naturalmente, durante
o processo de pesquisa de sua monografia na UNEB, já no curso de História, que
versava sobre erotismo e prostituição. Mas não do jeito como a sociedade
conhece (e consome). "A prostituição não está no campo do erotismo, está
no campo do trabalho. Muitas coisas tidas como eróticas na verdade não são
eróticas", aponta. "O tinder, por exemplo, está no campo do trabalho!
É uma atividade meio robótica em que você procura satisfazer certas
necessidades. Erotismo não é isso. Erotismo é o que envolve amor. Erotismo é
transcendental", conclui.
Sendo mulher e historiadora, eu estou assumindo um discurso
que foi tirado de nós.
A ideia de Thaís não era desenhar com uma técnica perfeita.
Era simplesmente externar com papel e tinta o seu olhar sobre o mundo. O resultado
disso é uma estética muito própria e linear: preto, vermelho, corpos
deformados, travestis, peitos, medusas e mulheres de três rostos. Corpos
dissidentes, excluídos, violentados, ganham forma quase que mágica.
E sua estética permanece cheia de significados. O vermelho –
que pode remeter à paixão ou ao anarquismo, a depender dos olhos de quem vê –
não tem nenhuma significação intencional, diz ela, que se inspira
principalmente no estilo "Old School", mas procura não limitar sua
arte a isso; com seus desenhos ela acredita que está imprimindo um discurso que
busca desmistificar o tabu do erotismo como algo imoral.
O erotismo está nos olhos de quem vê. Eu não desenho
erotismo, desenho corpos deformados.
Tabus, aliás, sempre lhe foram caros – para serem
devidamente quebrados, é claro. Militante anti-proibicionista e entusiasta de
uma educação mais inclusiva, Thais acredita nas pequenas revoluções cotidianas
e no poder do discurso como agente de transformação. Ela nasceu em Salvador mas
cresceu no subúrbio de Mata de São João, em uma família tradicional. "Não
digo 'família tradicional' em um tom pejorativo, mas venho de uma família
tradicional, de pai operário e mãe dona de casa, onde todos veem televisão e os
pais querem colocar os filhos nas melhores escolas."
Sendo mulher e historiadora, eu estou assumindo um discurso
que há muito tempo foi tirado de nós.
A arte entrou na sua vida quando, coroinha da igreja de Mata
de São João, começou a ter aulas de piano. "Era o padre quem me dava
aulas; eu gostava de cheirar o vinho, era vinho de verdade. Morria de vontade
de experimentar. Fui coroinha mas nunca fiz primeira comunhão, graças a Deus
[risos]"
Ela aprendeu a gostar de vinis com seu tio, primeiro artista
da família. Hoje coleciona mais de 400 deles, na casa simpática onde vive com o
marido e o cachorrinho Caroço, e se divide entre a pesquisa acadêmica no
mestrado em História – ainda no ramo do erotismo – e os desenhos que produz em
um ateliê na própria casa e expõe em uma galeria soteropolitana no Rio
Vermelho, reduto da boemia – para adquirir um dos desenhos, só mesmo indo até a
bardos bardos, atrás da Rua da Paciência.
Ocupa seus dias em fazer-se ouvir, seja construindo história
ou fazendo arte. E se orgulha disso.
"Sendo mulher e historiadora, eu estou assumindo um discurso que foi tirado de nós, e ao mesmo tempo construindo um discurso que coloca a mulher em um lugar de poder, porque discurso é poder".
"Sendo mulher e historiadora, eu estou assumindo um discurso que foi tirado de nós, e ao mesmo tempo construindo um discurso que coloca a mulher em um lugar de poder, porque discurso é poder".
Texto e imagem reproduzidos do site: huffpostbrasil.com
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