segunda-feira, 28 de maio de 2018

“No fim, as criptomoedas terão que ser reguladas”, diz chairman do BCG

Hans-Paul Bürkner, presidente do conselho de administração do BCG 
Foto: Divulgação BCG

Publicado originalmente no site da revista Época Negócios, em 24/05/2018

“No fim, as criptomoedas terão que ser reguladas”, diz chairman do BCG

Para Hans-Paul Bürkner, do Boston Consulting Group, o dinheiro digital é hoje um problema sem solução. Mas com o qual os governos terão que lidar no futuro

Por Dubes Sônego 

Hans-Paul Bürkner, presidente do conselho de administração e ex-CEO Global do The Boston Consulting Group (BCG) – no período de 2004 a 2012 –, é um homem sem muita cerimônia. Na data da presente entrevista, diferentemente do que é praxe, foi ele, e não um assessor ou secretária, quem recebeu a reportagem de Época Negócios no hall do escritório da companhia, em um prédio comercial da Berrini, em São Paulo. De terno e gravata, apresentou-se, estendendo a mão para um comprimento breve. E mostrou o caminho até a sala de reunião onde aconteceu a conversa.

Acostumado ao Brasil, país que visita ao menos uma vez por ano, Bürkner considera importante olhar o momento atual dentro de uma perspectiva econômica de longo prazo. Os últimos 20 anos, pelo menos. É uma forma de não se deixar levar pela descrença no liberalismo, gerada pelos desdobramentos da crise financeira de 2008, e se contrapor à disseminação de políticas protecionistas e lideranças políticas populistas. Para ele, o mundo nunca esteve tão bem, em termos econômicos e sociais, e deve isso ao capitalismo e à globalização. Mas esta não parece ser a percepção generalizada. O assunto foi tema da palestra que deu na edição latino-americana do Fórum Econômico Mundial, em São Paulo, em março.

Mesmo preocupado com o espaço que vêm ganhando ideias protecionistas e o discurso populista no cenário internacional, este executivo alemão de 66 anos, com passagens pelas universidades de Bochum, Yale e Oxford, é otimista quanto ao futuro. De modo geral, vê como positiva a transformação digital pela qual passa o mundo. No bate-papo a seguir, ele trata de criptomoedas, do impacto da automação sobre diversas indústrias e de propostas como a renda básica universal, além do cenário econômico.

Como novas tecnologias, como inteligência artificial, blockchain e big data estão afetando e vão afetar a forma de se fazer negócios?
A digitalização, em suas diversas facetas, vai mudar todas as companhias, indústrias, setores e a vida de cada indivíduo. Com o smartphone já é possível usar aplicativos de chamada de carros, como o Uber ou Lyft, ou comprar produtos na Amazon. As novas gerações dificilmente leem jornais impressos. Elas consomem informações nas redes sociais, sejam elas verdadeiras ou falsas. Compram online, talvez a maioria das coisas. A forma como as informações são usadas para atender os consumidores também está mudando. As pessoas estão rastreando o que você diz e faz nas redes sociais e podem fazer ofertas baseadas nisso. Algumas (dessas ofertas) são bastante toscas, mas outras fazem sentido. O blockchain vai mudar muita coisa também. As fintechs são uma grande ameaça aos bancos. Mais da metade dos pagamentos na China são feitos online. Alibaba, Tencent, Baidu são realmente os grandes competidores do sistema financeiro tradicional. Isso vai acontecer mundo afora. Já há aplicativos oferecendo pagamentos na Índia. A digitalização, de formas diferentes, vai mudar completamente o que fazemos e como fazemos as coisas. Todo mundo terá que se ajustar.

Como essas mudanças vão afetar o ambiente de trabalho?
Elas nos tornarão mais produtivos. Já temos fábricas com muito poucas pessoas. A operação é toda feita por máquinas que transportam as partes de uma máquina para a outra. A máquina reconhece cada peça e sabe exatamente o que fazer com ela e para onde mandá-la na etapa seguinte. No nosso caso, temos que nos perguntar o que significa ser um consultor. Muito do trabalho de pesquisa e de análise de dados já pode ser feito por meio de programação. Em uma auditoria, é possível olhar literalmente todos os contratos, e todas as faturas, para identificar irregularidades, em vez de fazer o trabalho por amostragem. Mas isso não nos torna dispensáveis. Vamos nos focar no que fazemos melhor, que é ajudar os clientes a mudar e fazer as grandes transformações em processos e culturas. O que, ao menos até agora, não pode ser feito por máquinas.

Mas há também um lado negativo nessas transformações, não?
Elas criam muitas ansiedades. Em alguns cenários, estima-se que 85% das pessoas vão se tornar obsoletas. Ou talvez farão apenas serviços muito simples. Apenas 15% das pessoas, engenheiros de software, designers, talvez escritores e profissionais de algumas outras áreas, continuarão a ter bons empregos. Acho tudo isso um grande exagero. Odeio isso, para ser honesto. Em primeiro lugar, porque não é uma boa perspectiva. Em segundo, porque acho que é uma estimativa errada. Mas não posso provar ainda. Temos algumas equipes trabalhando nisso. O futuro do trabalho, o futuro dos empregos. Que categorias de trabalho serão mais afetadas, como podemos torná-las mais produtivas, como podemos transformar a educação e o treinamento de pessoas com a digitalização. Particularmente, acredito que em muitas partes do mundo talvez fiquemos sem mão de obra antes de ficarmos sem empregos suficientes.

Como?
Se você olhar Europa, Japão, Coreia e Taiwan, a população está estagnada ou em declínio. Mesmo na China, a população em idade de trabalho está em declínio, por causa da política do filho único. Já há falta de pessoas para cuidar de pessoas idosas. Também vamos encontrar diferentes formas de treinar e engajar as pessoas muito mais rápido, com sistemas automáticos. Teremos muito mais o que fazer. Podemos construir mais infraestrutura e muito mais pessoas serão necessárias para isso. Certamente, em mercados emergentes na América Latina e na África, na Ásia Pacífico.

Você acredita em soluções como a renda básica universal?
Eu sou bastante crítico. Existe uma discussão sobre como financiar o modelo. Mas a coisa mais importante, e negligenciada, é o fato de que o trabalho é muito importante para que as pessoas tenham autoestima e possam estruturar seu dia. Se você não tiver um trabalho, eu lhe der uma quantia qualquer de dinheiro e você gastar oito horas sentado no sofá, comendo comida de baixa qualidade e assistindo TV, provavelmente vai desenvolver problemas de saúde, ficar acima do peso e deprimido. Os promotores da renda básica universal dizem que as pessoas não vão parar de trabalhar só porque alguém vai lhes dar mil dólares por mês. E eu não duvido que algumas pessoas ficariam felizes de ajudar outras pessoas se tivessem uma renda básica. Mas, se você tirar o trabalho de um mineiro, por exemplo, que só aprendeu a usar uma máquina no interior de uma mina, a vida dele pode ser tornar bastante miserável. A maior parte deles não terá muitos outros interesses. Um grande grupo de pessoas pode terminar não fazendo nada. O que seria realmente prejudicial para elas e para a sociedade. A questão não é dinheiro. É autoestima, orgulho. Temos que dar as todas as pessoas a chance de contribuir de alguma forma.

Qual a sua visão sobre as criptomoedas?
Precisamos separar blockchain, que é bom e permite a criação de sistemas de contabilidade mais transparentes, das criptomoedas. Nos vendem a ideia de que as criptomoedas são uma coisa maravilhosa, que vai permitir que nos livremos das autoridades monetárias, que são positivas para o mundo livre. Mas elas são usadas, no momento, em grande medida, em atividades ilegais, em detrimento da sociedade. Pagamento de chantagem, sequestros de sistemas de TI, drogas, armas e assim por diante.

Mas elas são uma realidade difícil e controlar. Como lidar com elas?
No fim, terão que ser regulamentadas. Mas, por ora, as opiniões sobre como fazer isso ainda são amplas e muito diversas. Até agora, as autoridades tentaram dizer que não vão regular, para não conectar as criptomoedas ao mundo real. Sem regulação, qualquer pessoas que lide com criptomoedas fará isso por conta e risco. Por outro lado, se você não regular, as criptomoedas vão continuar a se espalhar e muita gente vai perder dinheiro. Há países tentando proibi-las e países que não. Uma vez que se tornem legais em algum lugar do mundo, vão continuar a se espalhar. Porque esse “dinheiro” não é nada mais que informação.

Você tem uma larga experiência em serviços financeiros e disse há pouco que as fintechs são realmente perigosas para os bancos.
Eu não disse as fintechs, mas as companhias de tecnologia. É uma diferença muito importante. Há um número imenso de fintechs, que cresce mês a mês. São entre 12 mil e 20 mil. Mas 99,99% delas vão ter impacto muito pequeno e não vão durar. O que é realmente um desafio para o sistema financeiro tradicional são as companhias de tecnologia. As chinesas Alibaba, Tencent, Baidu; as americanas Apple, Google, Facebook e Amazon. Elas não vão só permitir pagamentos. Vão fornecer seguros, serviços, serviços de gestão de ativos, depósitos, empréstimos. E não precisarão operar como bancos. Vão apenas usar os serviços dos bancos. Vão se colocar entre o consumidor e o tradicional provedor de serviços financeiros. Terão todas as informações sobre os consumidores e suas necessidades. E o banco vai fornecer apenas a conta e o dinheiro. O consumidor vai comprar tudo o que precisa de uma plataforma, seja ela qual for, Apple, Amazon ou outra. Esse é o grande desafio. E não apenas para os bancos, companhias de seguros ou de gestão de ativos. É uma questão para qualquer negócio ou serviço.

O poder está com a plataforma.
Sim. São elas que têm a informação, conhecem o cliente, têm o relacionamento. E o provedor, de fato, não tem nada. Esse é o grande desafio para muitos serviços. Talvez até para a lojinha da esquina, a pizzaria, a padaria. Se você tem um serviço de entrega que oferece "a melhor pizza da cidade", se o cliente conhece a qualidade, o preço e recebe em casa, pouco importa de onde vem a pizza. O mesmo acontece com o Uber. É claro que a pessoa tem que ser razoavelmente confiável, o carro razoavelmente limpo, o serviço deve ser rápido. Fora isso, o cliente não se importa.

Durante uma entrevista em 2011, o sr. parecia muito preocupado com os resultados do que chamou de “ondas de exagero capitalistas e seus efeitos colaterais”. Isso faz seis anos. Temos visto agora as guerras comerciais, o Brexit, o crescimento do populismo e da xenofobia. O senhor acha que as coisas vão melhorar logo, ou ainda vão piorar antes de melhorar?
Naquela época, muita gente pensava que a crise de 2008 havia acabado, que voltaríamos aos bons e velhos tempos. Ouvi um dos maiores banqueiros de um dos maiores bancos no mundo dizer: “parem de bater nos bancos, a crise acabou”. E eu senti que muitas pessoas não haviam entendido que deveríamos ao menos parar para refletir. Muitos escândalos no setor bancário só apareceram depois de 2011. E penalidades foram impostas aos bancos, com razão. Aconteceram escândalos posteriores também no Japão, nos Estados Unidos, na Índia, na Alemanha, com a Volkswagen. Vimos fraudes no Brasil. Isso mostra que muito ainda precisa ser feito para reestabelecer a confiança na comunidade empresarial e nas elites políticas. A ascensão do que chamamos de extremismo, ou populismo, à esquerda e à direita, se deve principalmente a essa descrença. Nessa onda de populismo, há uma tendência de os países se focarem neles mesmos e para tentar maximizar os benefícios que podem obter. Acham que assim ficarão bem, que restabelecerão as fábricas impedindo importações. Ou que, sem imigrantes, os salários subirão. Você vê isso no mundo todo, em mercados desenvolvidos e em desenvolvimento.

Como lidar com o problema?
Um dos elementos chave é trabalharmos juntos. Nenhum país é capaz de resolver sozinho os problemas atuais. Porque muitas das transações, sejam de produtos, serviços ou informações, são feitas através de fronteiras e geram muito estresse nos sistemas nacionais.

O que o preocupa hoje?
Não importa quanto políticos, economistas, cientistas e homens de negócio avisem sobre os prejuízos de deixarmos de trabalhar em conjunto. Porque eles têm hoje menos credibilidade do que no passado. Isso torna o esforço coletivo muito, muito difícil. As pessoas só vão ver o impacto negativo do populismo e do protecionismo no médio e no longo prazo. Muitos países têm esses desafios. A globalização e, agora, a digitalização, aumentam o receio que as pessoas têm de perder o controle e ser deixadas para trás pelo desenvolvimento. É uma razão imensa de preocupação. Ainda assim, não podemos esquecer que o progresso que fizemos na economia mundial nos últimos 20 anos foi realmente muito bom. Bilhões de pessoas saíram da pobreza e se engajaram na economia mundial como trabalhadores, consumidores e empreendedores. De modo geral, a desigualdade ao redor do mundo diminuiu. Com todas as mensagens negativas que recebemos diariamente, esquecemos que vivemos provavelmente na melhor época de todas. Isso não significa que devemos ignorar os desafios e que há muito espaço para melhoria. Mas a tendência, no geral, continua positiva.

O que você estudaria se soubesse o que sabe hoje e tivesse 20 anos?
Há pessoas que dizem que estatística e big data são talvez os melhores empregos que você pode ter hoje em dia. Não tenho tanta certeza. São trabalhos interessantes. Mas você pode fazer coisas interessantes em qualquer área, se tiver a curiosidade e realmente gostar do que faz. Se não gosta do que faz, mesmo que esteja em uma categoria profissional com alta demanda no mercado, terá dificuldade.

Texto e imagem reproduzidos do site: epocanegocios.globo.com

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