quinta-feira, 22 de março de 2018

Ter vergonha na cara

Renato Janine Ribeiro em cerimônia como ministro da Educação.
Foto: José Cruz / Agência Brasil / Fotos Públicas

Publicado originalmente no site Página B, em 28 de Fevereiro de 2018

Ter vergonha na cara
Por Renato Janine Ribeiro

“Nós, que nos consideramos progressistas, precisamos ter vergonha na cara. Faz dois ou três anos que vivemos uma crise forte, e nos sentimos desarmados, sem saber o que fazer. Deveríamos ter aprendido”, afirma o ex-ministro da Educação, nosso colunista

Não estou interpelando os outros, os que discordam de nós. Estou dizendo que nós mesmos, que nos consideramos progressistas, seja nos costumes seja na política, precisamos ter vergonha na cara. Faz dois ou três anos que vivemos uma crise forte, e nos sentimos desarmados, sem saber o que fazer. Deveríamos ter aprendido.

Pela simples razão de que, nos últimos 60 ou 70 anos, os tempos de crise, de insatisfação, de desânimo foram mais longos do que os momentos de satisfação, de euforia ou contentamento com nossa vida social e política. Pela conta que farei agora, nesse período tivemos mais de 40 anos ruins, versus duas décadas de otimismo e confiança. Dois anos ruins para cada ano bom. Por que, então, cada vez que vivemos um desastre, nos sentimos sem rumo, sem saber o que fazer? Já devíamos ter aprendido, pelo menos os mais velhos.

Começo com o suicídio de Getúlio, em 1954. O Brasil só retoma o ânimo com os otimistas cinco anos de Juscelino Kubitscheck. Depois vive a crise de Jânio e Jango, a repressão e a revolta após o golpe de 1964 – e só volta a ter otimismo no período do ditador Médici. Notem: não estou fazendo juízo político. Só quero checar os tempos em que, com razão ou sem, a sociedade brasileira olhou o presente e o futuro com confiança.

Depois de Médici, são 21 anos de crise, até que o Plano Real, em 1994, estabiliza a moeda. O primeiro mandato de Fernando Henrique dá satisfação – mas não o segundo. Lula, em seus dois mandatos, faz o Brasil conhecer quase que o êxtase, tanto assim que deixa o governo com uma aprovação em torno dos 80%. Mas, desde o terceiro ano de Dilma, entramos numa crise que só tem piorado.

Fazendo contas: JK, Medici, FHC 1, Lula, Dilma 1 somam uns 23 anos de confiança (repito, justificada ou não, nós gostando ou não). E isso, contra 40 anos de depressão.

Tivemos assim quatro décadas para aprender a lidar com a frustração. Entende-se que os mais jovens, bafejados por quatro anos de FHC-1 e uns 11 anos petistas, estejam menos preparados para lidar com as dificuldades. Mas o Brasil, como um todo, deveria ter aprendido a lidar com seus problemas e a enfrentá-los.

Por que não o fizemos? Porque terceirizamos nossa política. Isso não é de ontem. É uma longa trajetória histórica, que continua forte.

Culpamos os outros pelo que acontece. Penso que diminuiu o uso da terceira pessoa do plural para falar das frustrações e proibições (“fecharam essa rua”, “aumentaram o preço da gasolina”). Esse é um bom sinal! Nós omitíamos o sujeito, quando íamos falar de coisas ruins. Era um “eles” oculto, querendo culpar o outro e ao mesmo tempo tendo medo de identifica-lo. Isso melhorou, talvez, na linguagem.

Mas continuamos não nos sentindo responsáveis pelos desastres sociais e políticos.

Ser responsável não é ser culpado. Culpa é de quem fez a coisa errada. Responsabilidade é de quem vai resolver o erro, mesmo alheio. Quem se eleger em 2018 vai dirigir um país fraturado. Os problemas podem não ser culpa dele, mas será sua responsabilidade solucioná-los.

Pior que isso, não aprendemos a reagir ou a agir. Três governos foram derrubados por serem de esquerda – Getúlio, Jango, Dilma. A reação a suas deposições foi fraca – exceto no primeiro caso, mas isso porque Getúlio se suicidou, o que foi a solução extrema para adiar por dez anos o golpe militar. Mas não construímos estratégias, nem psique, para resistir ao retrocesso ou promover o avanço.

Vi isso quando fui ministro da Educação de Dilma Rousseff, por seis meses em 2015. Entrei no governo diante da possibilidade de seu impeachment, fui exonerado (para dar espaço ao PMDB) quando o impeachment já era uma probabilidade. Mas o que mais me surpreendeu, negativamente, foi a atitude dos beneficiários dos programas petistas de inclusão social. (Vejam bem, não isento de culpa quem destruiu o governo: mas questiono por que os que o defendiam, o defenderam tão mal ou tão pouco).

Olhando do MEC, os beneficiários das políticas públicas não foram solidários com o governo que lhes tinha aberto tantas oportunidades, mais que dobrando as vagas de ingresso nas universidades federais. Eu tinha a impressão de que as pessoas que me procuravam no MEC não liam jornal, não ouviam rádio, não viam TV, não abriam a Internet: porque pareciam ser as únicas, no Brasil, a não perceber que vivíamos uma crise econômica severa. Pareciam acreditar que havia dinheiro suficiente para fazer tudo o que queriam.

Eu me pergunto: é possível fazer política sem ter meios de lidar com os momentos difíceis, com as vacas magérrimas? Dá para fazer uma política que só serve para os momentos afortunados? Tudo o que a esquerda saberá fazer, será distribuir melhor a riqueza, isso quando houver riqueza a ser distribuída? Não saberá, quando falta dinheiro, agir para produzir riquezas? Marx acharia isso um absurdo. E é mesmo.

Resumindo, quem quer fazer política tem de se preparar para os momentos bons e os ruins. O Brasil teve dois anos ruins para cada ano bom, nos últimos 60 anos. Então, como não saber lidar com isso? Agora não falo só da esquerda, falo da sociedade inteira. Parece que isso foi anestesiado porque de 1994 a 2014 tivemos, na minha conta, três anos bons para cada ruim. Esquecemos os longos anos ruins da ditadura militar. Mas a moral da história é que justamente nas horas difíceis é que precisamos mostrar resiliência e saber o que fazer.

Texto e imagem reproduzidos do site: paginab.com.br

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