terça-feira, 13 de março de 2018

'Desnude' busca o protagonismo das mulheres quando o assunto é sexo...

A atriz Gabriela Carneiro da Cunha, em cena de 'Sobre Ontem à Noite', 
primeiro episódio de 'Desnude', ao lado de Edu Moscovis. 
Reprodução GNT/Conspiração

Carolina Jabor, diretora de 'Desnude', ao lado de Laura Neiva, 
uma das atrizes que faz parte do elenco da série. 

Anne Pinheiro Guimarães, que dirigiu e criou os roteiros de 'Desnude'
na pré-estreia da série, no Rio de Janeiro. 
Fotos Daniel Pinheiro

 A atriz Patrícia de Jesus, em uma das cena dos bastidores de 'Desnude'.

A atriz Gabriela Carneiro da Cunha, em cena de 'Sobre Ontem à Noite', 
primeiro episódio de 'Desnude' (Fotos: Carolina Vianna)

Publicado originalmente no site Huffpost Brasil, em 06/03/2018

'Desnude' busca o protagonismo das mulheres quando o assunto é sexo, desejo e prazer feminino

Conversamos com Carolina Jabor e Anne Guimarães, diretoras de 'Desnude', nova série do GNT que põe o desejo sexual da mulher em primeiro plano.

By Andréa Martinelli

"Quisera que toda vida humana fosse pura e transparente liberdade". A frase creditada à filósofa francesa Simone de Beauvoir é o que abre um dos episódios da série Desnude, nova produção audiovisual do Canal GNT, em parceria com a Conspiração Filmes, dirigida por Carolina Jabor e Anne Pinheiro Guimarães, que busca colocar o desejo da mulher em primeiro plano.

Vida e liberdade, na maioria das vezes, não são associadas ao prazer e a sexo. Ainda mais quando o assunto é fantasia e sexualidade feminina. Não à toa, uma pesquisa da Universidade de Montreal, em Quebec, Canadá, em 2014, constatou que "homens têm mais fantasias, conseguem descrevê-las sem medo e tem uma vontade enorme de realizá-las".

Em contrapartida, a série começou a ser desenhada depois que o canal promoveu uma pesquisa com mais de mil mulheres anônimas. 76% das entrevistadas afirmaram gostar de assistir conteúdo e filmes sobre sexo em que a mulher é a protagonista. O mapeamento também colheu histórias sexuais, imaginadas ou vividas por essas mulheres que, em alguns momentos, serviram de inspiração para a série.

"Todo o audiovisual produzido sobre sexo é feito sob uma ótica masculina. E, culturalmente, o prazer da mulher é meio que condicionado ao prazer masculino, né?", reitera Carolina Jabor, uma das diretoras da série, em entrevista ao HuffPost Brasil.

Trazer o verdadeiro desejo da mulher à tona e explorar o universo das fantasias sexuais é o objetivo da série que estreou dia 5 de março, no Canal GNT. E isso foi levado muito a sério.

Ao lado da também diretora Anne Pinheiro Guimarães, Carolina Jabor montou uma equipe majoritariamente feminina para produzir a série. Os 9 episódios foram roteirizados, produzidos, dirigidos e filmados apenas por mulheres, sempre com o foco no protagonismo que não é comumente visto em produções que vão desde o pornô até o mais sofisticado erotismo.

"Para todo mundo foi uma primeira vez. Isso eu senti na pele. Foi criado um frisson, uma sensação de estar fazendo uma coisa muito empoderada e muito forte. A sensação de todas que estavam ali foi a de que todas estavam contribuindo para um projeto muito especial para as mulheres, para o olhar feminino", lembra Anne ao HuffPost Brasil.

A produção é narrada e protagonizada por nove diferentes atrizes e, entre elas, Patrícia de Jesus, Laura Neiva, Cláudia Ohana, Maria Luisa Mendonça, Clarice Falcão e Rafaela Mandelli. O décimo e último episódio – que contém um formato documental – traz um making of com detalhes do trabalho das artistas e da direção, e o processo criativo realizado pela equipe. Os episódios serão exibidos em sequência, de segunda a sexta, durante duas semanas, às 23h30.

Em conversa com o HuffPost Brasil, as diretoras Anne Pinheiro Guimarães e Carolina Jabor contaram detalhes da produção da série e, como, até para elas, trabalhar em um projeto como este as ajudou a pensar sobre a própria condição. "O mais interessante da série foi analisar a nós mesmas e, ao mesmo tempo, ficar atentas ao protagonismo da mulher na produção da série", afirma Carolina.

Leia a entrevista completa:

HuffPost Brasil: Como surgiu a ideia do projeto?

Carolina Jabor: A gente começou a pesquisar sobre o assunto e percebemos, de fato, que as mulheres não são representadas em filmes sexuais e não se veem nessas produções. Todo o audiovisual produzido sobre sexo é produzido sob uma ótica masculina. E, culturalmente, o prazer da mulher é meio que condicionado ao prazer masculino, né? A gente partiu de um desejo de falar sobre esse tema e o projeto tomou corpo junto com a Conspiração Filmes e o GNT, que também tinha uma ideia de falar sobre sexo a partir de uma ótica feminina. E, então, a gente decidiu fazer um recorte das fantasias. Porque falar de sexo é falar de uma coisa muito ampla. E fantasia é um tema que não é linear. Então ele facilita a linguagem cinematográfica; a cabeça da gente também fica muito livre, e então, possibilita a liberdade na hora de criar.

Anne Pinheiro Guimarães: Ao todo, fechamos em 9 histórias, com 9 protagonistas diferentes, com sua sexualidade manifestada de uma forma diferente, com idades diferentes e com universos mentais muito diferentes. A gente quis fazer esse apanhado de fantasias -- desde as que se realizam, de fato, até às que se realizam só na cabeça. Todo esse universo na série varia bastante. A gente fez uma rodada de roteiros e trabalhamos com outras três roteiristas durante dois meses, entendendo melhor quais seriam as histórias que a gente queria contar. Foi um processo riquíssimo de troca. Por que sexo é um assunto que a gente não está acostumada a falar, a gente não é ensinada a falar sobre isso.

Como foi trabalhar em um set de filmagem que só tinham mulheres envolvidas?

Carol: Esse set majoritariamente feminino era algo que o projeto também pedia, então, além da novidade de estar trabalhando só com mulheres, ele ainda tinha o caráter de que aquelas mulheres todas estavam trabalhando em prol da dramaturgia. Então, essa foi a grande diferença. E o fato de estar dando oportunidade a mulheres em cargos que normalmente elas não estão representadas, isso dá uma onda. [risos] No caso dessa série, além de tudo, tinha a questão das cenas de sexo, então as mulheres ainda ficaram eventualmente expostas, com seus corpos nus. O fato de a gente ser mulher tranquilizava muito o elenco. Isso deu um certo conforto a elas. Por que, de fato, como a maioria do conteúdo mais erótico, sexual, enfim, é mais feito por homens, você tem mais homens filmando até em cargos de direção, isso incomoda um pouco. Então, quando você tem um bando de mulher envolta você consegue ter uma cumplicidade maior e um conforto maior.

Anne: Eu trabalho com cinema há 18 anos. E os sets sempre foram e continuam sendo majoritariamente masculinos. E, também, existem algumas funções, por exemplo, que são predominantemente masculinas. Eu nunca tinha trabalhado com uma contrarregra mulher na minha vida. E não porque as pessoas não queriam trabalhar com uma contrarregra mulher, mas é porque não tinham mulheres nesse campo. E existem funções e profissões que foram tradicionalmente pautadas por um único gênero. Para todo mundo foi uma primeira vez. Isso eu senti na pele. Foi criado um frisson, uma sensação de estar fazendo uma coisa muito empoderada e muito forte. A sensação de todas que estavam ali foi a de que todas estavam contribuindo para um projeto muito especial para as mulheres, para o olhar feminino. Foi muito potente, muito forte.

É estranho pensar que, em 2018, as mulheres ainda não não representadas no universo do audiovisual?

Anne: É estranho pensar que, na verdade, cara... Como é importante fazer isso. É sobre o discurso da Frances McDormand no Oscar, sabe? Eu não sabia, mas hoje existem atores e atrizes que colocam no seu contrato que a equipe precisa ser mista, variada. E isso é extraordinário. E quando você tem essa experiência, ela muda o olhar, ela muda o cuidado, ela muda a postura das pessoas. Não estou dizendo que todo set precisa ser majoritariamente feminino, a gente precisa ter homens também. Mas estou dizendo que é importante ter mais mulheres e que isso traz experiências fortes e únicas.

E vocês se preocuparam, sempre, em colocar a mulher em primeiro plano no roteiro?

Carol: Com certeza. E o mais interessante da série foi analisar o tempo inteiro nós mesmas e, ao tempos tempo, tentando ficar atentas ao protagonismo da mulher na produção da série. Ela no comando das escolhas, do que ela gosta ou não e aí, a gente, mesmo no roteiro, tendo isso na cabeça, mesmo no set a gente se deparava com algumas questões conflitantes. E a gente, aos poucos, foi tentando quebrar um pouco essa lógica milenar.

Anne: Ah, total. No primeiro episódio, que é o Sobre Ontem à Noite, logo no início, existe uma cena em que a personagem está do lado de fora da festa, e que ela senta ao lado do "rapaz de olhos claros". Em seguida, ela oferece um cigarro a ele. Mas o jeito em que essa cena estava escrita inicialmente era o contrário disso. Ela pedia um cigarro pra ele. E a gente, "ué, porque é ela que está pedindo o cigarro?". Para a gente, ele que tinha que pedir a ela. E ela fala pra ele uma hora, "isso te deixa nervoso?", o jeito que estava escrito no papel, era ele perguntando pra ela. E a gente optou por mudar. E ao inverter, teve até uma situação com o ator, que questionou a mudança, justificando que isso poderia fazer parecer que a personagem não estava interessada no personagem dele. E, então, a gente acabou quebrando muitos padrões de relacionamento, sabe? Porque eu acho que o sexo vai além disso. A forma como as pessoas lidam com a sua sexualidade pautam todas as nossas relações, de poder, de tudo.

Vocês, como diretoras, chegaram a ouvir homens para construir as histórias?

Carol: Eu vou te falar que eu não fui muito atrás de homens para falar sobre, não. Eu até vou procurar que eles assistam, acho importante. Mas as reações me pareceram abertas. Eu acho que eles estão querendo o diálogo. Os homens que a gente convive, que são homens que não são reacionários, conservadores e nem tão machistas assim, eles trazem um desejo de querer ser menos machistas; eles querem ser melhores. Então, todos os que assistiram a série previamente, gostam muito. Porque eles aprendem também. Quem tem uma mente um pouco mais aberta e se mostra propício a entender melhor as nossas fantasias, o que passa pela nossa cabeça, só tem a aprender.

Anne: Cara, é interessantérrimo. Porque existe uma curiosidade extraordinária neles. E eles falam, eles ficam alvoroçados, interessadíssimos. Quando eu falo da série eu conto sempre quais são as premissas que a gente partiu de alguns episódios. E a reação tem sido muito positiva. Eu não acho que a série é só para mulheres. A série só tem a particularidade de que a protagonista ela é dona do seu próprio desejo. Ela não é o objeto do desejo. Ela é o ser desejante. Essa é a grande diferença.

E isso em nenhum momento é ruim para os homens.

Anne: Eu acho que pelo contrário. Eu acho que eles vão achar isso um tesão.

E quando a gente fala de sexualidade feminina a gente está falando de muitas nuances.

Anne: O que acontece é que as mulheres elas tem um poço de fantasias escondidas, né. E elas vão mudando de acordo com o seu momento de vida, com o tempo que vai passando, então, é ótimo.

Falar sobre sexualidade da mulher e em como ela pode ser protagonista de diversas formas nesse lugar é necessariamente passar por questões feministas. Vocês concordam?

Anne: Eu acho que ser feminista hoje em dia é olhar para o feminino. Quem se coloca para olhar para essas questões faz um movimento em direção ao feminismo. Você se colocar como mulher hoje em dia... Você olhar para o feminino, e tentar abranger o olhar feminino já é uma posição feminista. Agora, o feminismo ele é uma coisa muito ampla, muito complexa, gigante.

Carol: Mas esse nosso trabalho, essa série, ela vem um pouco do que a gente tem vontade de expor e de mostrar pro mundo. E assume essa conversa, esse debate.

Anne: A gente quer dar um repertório para as mulheres, né. Dar referência.

Carol: Nós também temos um olhar sobre isso. Nós também temos um prazer que é nosso. A partir do nosso prazer, a gente enxerga isso e quer contar histórias. Então que acho que, nesse sentido, a série agrega nessa discussão, sim, porque fala sobre o prazer da mulher. E outra, porque somos mulheres dirigindo, criando. A criação foi 100% de mulher, então isso, por si só, já é um ato feminista.

Anne: E eu acho que assim, a gente sempre quis colocar o desejo da mulher protagonista em primeiro lugar. Então, assim, ela é o ser desejante da história e isso já é uma novidade total.

Foi estranho pensar que, em 2018, é novidade uma mulher ser o 'ser desejante'?

Anne: Foi. Mas é exatamente isso. As mulheres precisam saber que podem exercer a sua liberdade sexual. E, sem culpa, né? Se permitindo.

O momento em que a série também está sendo lançado é significativo. Depois da repercussão do conto Cat Person, da revista norte-americana New Yorker, explodiu uma discussão sobre sexo ruim; sobre aquele sexo que não é criminoso, mas é violento, abusivo de qualquer forma.

Anne: É, depois veio o caso do Aziz ansari também, né?

Carol: É, eu ainda preciso ler esse conto.

Parece muito uma ressignificação daquilo que tanto homens, quanto mulheres entendem por sexo. O que vem da pornografia é um ensinamento muito violento. E, há tempos atrás essa mesma discussão buscou apontar o estupro marital, por exemplo.

Anne: Até porque, culturalmente, uma das obrigações da mulher no casamento é o sexo, né? E tudo é baseado no desejo, né? Se você não respeita a vontade do outro é predatório, se você não respeita a vontade do outro é estupro. Se você só quer saber, se você só olha para o seu desejo -- que é o caso de todos esses, na verdade -- é um abuso.

Para vocês, falar sobre sexualidade feminina é falar sobre liberdade?

Carol: Eu acho que sim. Eu me sinto mais livre em poder falar sobre isso, também. Esse projeto tem essa característica, sim, de dar uma certa onda em que todo mundo que participou dele. Porque falar da sua própria sexualidade é muito guardada, né? Geralmente a gente não fala e a gente não consome esse tipo de conteúdo. Então, acho que se a série puder proporcionar às mulheres o fato de poder falar mais, procurar mais, perguntar mais, ir atrás de qual é o que você mais se permite. Eu acho que sim, é um aspecto de liberdade.

Anne: Em primeiro lugar é falar sobre liberdade. Pelo menos é o que a gente também buscou: falar sobre o quanto as mulheres podem manifestar o seu desejo livremente no sexo. A liberdade sexual feminina é algo que precisa ser vista e exercitada. Eu fui ler um romance no processo de produção da série, meio bobo, do Ian McEwan, chamado Na Praia. Ele nada mais é do que a história da noite de núpcias de um casal jovem nos anos 1960 e, a partir desse fato, existem vários flashbacks para o passado dos dois e, principalmente, sobre a formação sexual e expectativa sexual de cada um. E foi extraordinário perceber que a educação feminina é uma educação voltada para o silêncio, para o tabu, para a desinformação. E a masculina é o oposto, é uma descoberta, um lugar de expressão masculina. Então, falar de sexualidade feminina é falar sobre liberdade, sim. E é isso que nos interessa.

'Desnude'
Direção: Carolina Jabor e Anne Pinheiro Guimarães
Exibição: Canal GNT, Globosat
Horário: 23h30
Conteúdo indicado para maiores de 18 anos.
A repórter viajou para o Rio de Janeiro à convite do GNT.

Texto e imagens reproduzidos do site:huffpostbrasil.com

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