Foto: Leo Aversa.
Só a arte terá compaixão com o ser humano.
Por Adriana Salermo.
Ao longo de 52 anos de carreira, Marco Nanini conheceu
muitos Brasis. Eles podem ser representados pelas lembranças de Pernambuco na
infância e por coisas que batem muito com fotografias antigas, nos tempos do
bonde e dos homens de chapéu a andar pelas ruas. Depois, seguiram-se alguns
anos em que viveu em Manaus, uma cidade sui generis, de rostos diversos,
recortada por rios e onde todas as luzes se apagavam às 10 horas da noite.
Conta que chegou a viver ainda na antiga Belo Horizonte, capital que se fechava
em um círculo e acabava na Avenida do Contorno. Pôde conhecer ali a TV
Itacolomi. Esteve, em seguida, por volta de 1956, em São Paulo, que se
apresentou muito maior que os outros lugares já habitados. Dois anos depois,
morou no Rio de Janeiro, quando observou os quatro últimos anos da cidade como
capital federal. E, depois disso, há em suas memórias os anos do governo Jânio
Quadros, os de João Goulart e a ditadura militar, a redemocratização do país e
os turbulentos dias atuais, marcados por situações sociais e de multidão com as
quais ele diz já não ter muita paciência.
Ou Nanini está em sua casa, com árvores, bichos e livros, ou
fica no seu movimentado Galpão Gamboa, em parceria com o produtor Fernando
Libonati. No espaço com ares de arquitetura moderna, vizinho à Cidade do Samba,
no Rio, há salas com infraestrutura para as apresentações, outras para ensaios,
além de um ateliê de costura para montagem de figurinos e cenários. Foi lá que
o ator recebeu a Revista da Cultura para esta entrevista, com o local ainda
decorado pela última festa musical, com o chão repleto de purpurina e muitas
fitas de cetim coloridas. Apesar da dedicação, o criador negou planejar um
possível legado para a cultura: apenas interessa o que pode acontecer enquanto
estiver vivo e garante que depois da morte não importa. No entanto, suas
iniciativas na cultura lhe renderam, no ano passado, uma indicação ao Prêmio
Shell por inovação teatral.
E em março sua companhia de atores encena um clássico do
teatro moderno, a peça Ubu rei, do autor francês Alfred Jarry (1873-1907), uma
comédia sobre a disputa pelo poder. O personagem principal, Pai Ubu, conspira
para assassinar o rei, roubando-lhe o trono. É sobre o espetáculo, sobre a vida
em geral, sobre a barbárie do mundo que ele conversa a seguir.
Pai Ubu é um anti-herói, desbocado, capaz das piores
covardias por dinheiro, mas, mesmo assim, existe um carisma na forma
desajeitada com a qual ele interage com os outros. O texto foi apresentado pela
primeira vez em 1896 e rejeitado pelo público, chocou diversas plateias ao
redor do mundo. E você volta a colocá-lo em cartaz tanto tempo depois. De que
maneira surpreende a atualidade do enredo?
Para montar um espetáculo, aqui a gente fez a leitura de
vários textos para escolher um. Ubu rei foi o primeiro que a gente leu e
adorou. Lemos outros ótimos textos, mas acabamos escolhendo o Ubu, porque a
cada página ele mostra uma realidade visível. Embora seja uma fábula, ou uma
farsa, ou como queira chamar, é mais possível assimilar as personagens da peça
com personagens da atualidade, no mundo todo, inclusive no Brasil. Então, por
causa disso, e também por ele ser um texto revolucionário que mudou tudo no
teatro, principalmente porque era uma crítica muito grande ao simbolismo, ao
teatro que se fazia na época – muito pomposo, muito “chique”. Ele criticava a
classe média e o problema se deu justamente aí.
Ninguém aceitava as críticas...
Ninguém estava habituado àquela anarquia toda e ninguém
nunca tinha ouvido a palavra merda em um teatro. Era inadmissível. O autor era
um homem absolutamente desligado disso tudo, na dele, numa época muito
distinta, então ele tomava seus absintos e escreveu essa peça libertária, tão
libertária que você pode encená-la como bem entender. Também optamos por ser
ele [Alfred Jarry] o criador da patafísica, que é a ciência das soluções
imaginárias. Então pode tudo. Ele fala de ladrão, de poder, de poder misturado
com roubo, de assassinatos, de todo esse trato que a gente já conhece. Mas aí
aparecem a técnica e o talento do escritor, ele é muito sedutor. Ele é muito
fofo. O que também é uma das características que os políticos têm: o carisma.
Aliás, Ubu rei se encaixa perfeitamente na crise
político-institucional-social que o Brasil vive. Na internet, é possível ver um
crescente no conservadorismo e no preconceito às minorias. Ou você acha que a
situação é a mesma de sempre, apenas mais visível por causa da web?
A gente está mais cafajeste. Está mais visível isso. Aqui no
Brasil, felizmente, a gente está começando a separar o trigo do joio, e
esperando para ver o que acontece. Mas não acredito mais em político, não. Nem
da direita nem da esquerda. A esquerda também diz que o pobre isso e aquilo e
pelo pobre não faz nada. Não vejo ninguém de esquerda fazer alguma coisa, a não
ser coisas passageiras, como o Minha Casa Minha Vida, que foi para o brejo, ou
seja, tudo vai para o brejo. E também os políticos, principalmente os nossos,
não se importam com o país e nem se importam com os brasileiros. Afinal, se
eles têm uma máquina de propina tão grande, eles têm de trabalhar para essa
máquina funcionar, trabalham apenas nisso, não trabalham pelo Brasil e pensam
apenas neles próprios. É o Sérgio Cabral. Faz vídeo com uma toquinha de
guardanapo, em um restaurante chique de Mônaco. Tendo consumido ali 4% da verba
destinada às enchentes do Rio, é uma coisa assustadoramente chocante. É bem Pai
Ubu! É perversão. O pervertido não sabe que é pervertido, ele não sabe que é
mau, ele acha que aquilo é normal.
Desse modo, temos um monte de pervertidos na política, não?
Por outro lado, os políticos que seriam bons são muito
tímidos, eles teriam de se mostrar mais, não lutam contra uma ideia que está
escancaradamente contra os brasileiros. São contra, mas ficam na moita. Agora,
a situação mundial, o que é isso dos refugiados? Que drama, que horror. A
reação a isso tudo, que coisa mais desumana, como o ser humano está ficando
rude. Assim como também um outro tipo de perseguição às minorias, que vemos
salpicando no mundo, os árabes que cortam o clitóris da mulher para ela não ter
prazer, a homofobia, tudo isso são covardias que mostram o pior lado do ser
humano e que agora estão muito em evidência. O que foi aquilo no Rio Grande do
Norte? Em Vitória? Estamos nos acostumando a uma barbárie horrorosa, por isso é
muito importante a leitura, a arte, e muita gente não dá a menor bola, seja
teatro, literatura, dança, ou qualquer outra forma. Só a arte terá compaixão
com o ser humano, por causa da crítica que ela faz. Hoje em dia, muita gente só
se importa com a arte quando dá dinheiro.
Você sente nostalgia por outras épocas do teatro brasileiro,
como quando encenou O mistério de Irma Vap, na versão que ficou dez anos em
cartaz, dirigida por Marília Pêra?
Não, não sinto. Porque vivo intensamente o projeto que
escolho, então nossas emoções e a interpretação são coisas específicas, mas são
similares. Gosto dessa história dos artistas se juntarem, dessa arte em
conjunto, quando você ouve a opinião do outro, é uma coisa mais movimentada.
Tenho uma inveja branca de escritores, por exemplo, ou de pintores, que levam
seu laptop ou seus pincéis com suas telas e vão para onde bem querem [risos].
Mas nós, não, temos de assinar ponto. Para ter a emoção, para definir a cor,
você tem de ir lá no teatro tal hora, resolver não sei o quê. Não tem fim de
semana, você não tem feriado. Faz parte. Os médicos também, por exemplo, dia e
noite eles são chamados. O teatro é uma arte mais festiva, tem figurino, mexe
com muitos setores diferentes e, evidentemente, também acho que é preciso um
momento de contemplação, de solidão, de recato, de casa. Isso também é uma
diversão.
Nanini, o teatro é guiado mais pelo sentimento ou pela
técnica, em sua opinião?
Olha, vou dizer uma coisa: nunca valorizei um aspecto ou
outro, nunca coloquei em primeiro plano um ou outro, porque acho que, tanto
para televisão quanto para cinema ou teatro, você depende dos dois elementos,
da técnica e da emoção. A técnica sozinha é muito fria, ela não tem uma arma
poderosa como a emoção, que é uma comunicação muito imediata, você fala por uma
linguagem que não tem caracteres, mas que é muito forte. Então, quando você
alia uma a outra, eu acho mais produtivo. Menos cansativo para o ator, mais
divertido; no sentido de que você domina mais a arte, você tem vários sabores
na técnica, que resultam da emoção. Falar uma frase, dosar o peso das palavras,
estudar qual funciona melhor dentro da ideia. Adoro essa parte. Não precisa
repetir exatamente como papagaio aquilo tudo, mas você tem uma noção enquanto
você fala, tem de respirar, usar o diafragma, preparar seu corpo para isso. A
técnica dá uma cama muito acolhedora para a emoção. Porque a emoção é uma coisa
muito forte. Se ela vem e você não está preparado, é insuportável, ela te
subverte, tira você do sério, você não a controla.
Pode comprometer a cena?
Pode. Fisicamente, sim, porque vai te deixar muito mais
cansado, mas artisticamente ela pode se tornar exagerada. Tem de ser muito bem
dosada, até para você poder saber qual é o limite dela, até onde você vai, como
ela começa. Porque ela nunca começa de imediato, ela começa lá no cantinho, vai
se somando a outra, mais outra. Então, acho que uma coisa está ligada a outra.
A emoção é uma coisa bruta, mas a técnica você deve aprimorar.
Por falar em técnica, parece ser uma logística complexa,
quase uma coreografia, fazer as cenas de guerra do espetáculo. Foi muito
difícil organizá-las?
Nas cenas de guerra, tudo é problema. Porque o Jarry usava
placas em cena, ele é um escritor do teatro elisabetano, que estreou e foi esse
escândalo. Então entrava em cena um cidadão com roupa de noite, imagino que
seja um smoking, ou alguma coisa assim, com uma placa e pendurava na parede.
Nela estava escrito: Campo de Batalha. Ele achava que, para o espectador, a
palavra tinha tanta ou mais força que o cenário, então ele eliminou tudo e
botou só placas. E, na verdade, a gente usa um monte de coisas para fazer nossa
versão. Evidentemente que a gente estudou tudo isso, o fazer dele, mas tomamos
um caminho, de outra maneira. Até porque toda essa linguagem foi se
desenvolvendo, nasceu daí o dadaísmo, o surrealismo, o teatro do absurdo, e
esse método que ele criou já foi muito usado, então agora é preciso fazer a
roupagem da roupagem para chegar à cena.
Então é a partir daí, de textos como esse, que surge o
teatro do absurdo?
Basicamente. Por exemplo, o [Samuel] Beckett usa muito pouca
coisa de cenário ou nada. Mas ele [Alfred Jarry] foi o precursor. Nós usamos
dez atores e desenvolvemos as cenas de guerra como a gente pôde, de maneira
criativa. Está se desdobrando, são várias guerras. E tem outra cena também
difícil que é o final, em um barco. Botar plaqueta era bom [risos], mas imagina
hoje em dia colocar uma placa. A gente busca signos que sirvam como indicações
do lugar, com o figurino, etc., e espera que fique legal. E temos música
também. Os atores tocam, às vezes são quatro bumbadas, tum-tum, tum-tum, mas
tocam.
Foram compostas músicas específicas para o espetáculo?
Sim. A composição é do Leandro Castilho. Ele criou essa
trilha e todos em cena tocam.
Em 52 anos de atuação cênica, constam diversas adaptações
literárias em sua trajetória: Gabriela, A moreninha, O feijão e o sonho, Dona
Flor e seus dois maridos... Como funciona a transposição da literatura para o
teatro?
Essa questão literária está muito em foco agora, até me
chamaram para ir à Flip [Festa Literária Internacional de Paraty], que vai
homenagear o Lima Barreto, mas não poderei. Achei muito importante ele ser
homenageado. Sobre as adaptações, tenho um sentimento dúbio; como leitor,
prefiro mais o livro do que o filme, até porque o filme nunca mostra tudo. Por
exemplo, como aconteceu com o John Irving em O mundo segundo Garp, todo o
prelúdio, todas as primeiras páginas foram cortadas porque não caberiam no
roteiro. E adorei as primeiras páginas. Daí fica uma coisa meio assim, sem
graça. Mas, nas que trabalhei, que foram principalmente adaptações de
literatura brasileira para a televisão, tudo foi feito com muita percepção.
Foram feitas, a maioria, pelo Guel [o diretor Guel Arraes], que trazia as
adaptações de literatura para a TV. Acho interessante adaptar.
Existe um vínculo afetivo ao interpretar textos mais
clássicos, vamos dizer assim, com boa qualidade literária?
Olha, com certeza gosto muito. Gosto de autores com mais
drama, o Shakespeare é craque. Em literatura teatral, o Molière é um autor que
escreve com uma compaixão, com uma ternura pelas personagens; são incríveis, é
uma comédia de altíssima qualidade. Os dois são considerados grandes
teatrólogos, autores de literatura interpretativa. Só não gosto é de
interpretar um texto que seja assim famoso demais. Porque aí vou lidar com um
monte de juiz, que vê e quer dar sua opinião.
Ubu rei é um texto famoso.
Mas o Ubu rei não é assim um Hamlet, que quando você faz
aparece muito ‘pai’ e muita ‘mãe’ de Hamlet e de Shakespeare perguntando por
que você fez assim. No teatro e no cinema, às vezes, você não só tem de fazer
como tem de explicar. É cansativo. É danado. Não me preocupo se alguém gostou
ou não gostou, quero é fazer com o grupo, pegar umas opiniões de fora, ver se o
trabalho está tratando o texto de uma forma verdadeira. Pronto. Isso me
satisfaz. Mas, efetivamente, o que for questão de gosto não me incomoda em
nada, se a pessoa gosta ou não.
E como é ter seu próprio centro de produção teatral, como o
Galpão Gamboa, que já completa dez anos, em parceria com o produtor Fernando
Libonati? É uma militância manter um espaço voltado para o teatro, não?
Com relação a esse espaço, é tudo uma projeção de um desejo
meu que deu certo. É um milagre. Chegou a um ponto que, lá atrás, eu pensei:
tenho de produzir, senão vou sempre depender de alguém que me chame para alguma
coisa. Isso reduz muito as oportunidades. São papéis que posso não gostar, mas
é o único trabalho que tem. Seria melhor então eu produzir para poder criar o
espetáculo, poder deixar uma marca. Queria muito um sócio ou sócia, mas não
queria que fosse ator, nem atriz, porque são muito conflitantes. Queria uma
pessoa ligada à produção, um trabalho que não aparece e é exaustivo. E, se não
for a produção, nada anda, tanto na televisão quanto no cinema ou no teatro.
Então encontrei esse rapaz, o Fernando, que possui um senso de organização
inacreditável. Esse espaço me abriu uma visão que eu não tinha antes, de como
programar uma casa, que não precisa funcionar exatamente como um teatro
convencional. Queria também aproximar mais os jovens dessa coisa artística,
queria, com o tempo, unir a juventude. Agora, a juventude toda do Rio vem para
cá, é barato.
Em tanto tempo dedicado às artes cênicas, você teve alguma
crise ou chegou a pensar em se afastar do teatro, sair do mundo das artes?
Não. Não porque não saberia fazer mais nada. E não me
aborrece. Fiquei 14 anos com um programa de televisão (A grande família) e 11
com uma peça (O mistério de Irma Vap), então já tive minha experiência total de
como driblar a rotina. Você deve, para poder representar, saber driblar a
rotina. Quando fica esgotado, aí você para. Não tem outro jeito. Pode ser com
11 anos, 14 ou 20.
Qual texto foi importante para sua formação como ator?
Mão na luva [do dramaturgo Oduvaldo Vianna Filho] foi um
texto muito importante, foi quando comecei a querer fazer mais drama
efetivamente. Os filhos de Kennedy [de Robert Patrick], pelo mesmo motivo. Eu
tinha aptidão para fazer drama e uma vontade de fazer, mas que não demonstrava
porque só me chamavam para comédia. Queria dar mais lastro à comédia fazendo
drama, uma coisa está ao lado da outra. Se você fizer só comédia, fica em uma
superficialidade que o drama pode aprofundar. Tanto é que, todo personagem
cômico que faço, procuro encontrar o drama dele. Não é possível que a pessoa
venha ao mundo e viva só feliz ou só infeliz. Não é assim. E todo drama tem um
humor. Essa peça faz um humor rasgado de um drama horrível.
Seus amigos influenciam no processo de criação das situações
em cena?
Funciona assim: o teatro é uma arte tão coletiva que deveria
ser obrigatório nas escolas, é uma arte que faz você perder medos, faz você se
expor mais. Discutir contradições e belezas humanas. É muito gratificante. Nem
todos que estudam querem ser profissionais. Já os profissionais precisam estar
dispostos a arcar com o lado ingrato da profissão.
Você já afirmou que optou por não ter filhos. Suas amizades
e, talvez, o amor pela interpretação preenchem esse espaço afetivo de ter
descendentes?
Acredito que não. Por ser uma coisa muito linda uma criança.
É uma coisa mágica. O problema é que cheguei à conclusão de que não teria
condição de cuidar de uma. Você precisa ter essa vocação paternal, ou maternal,
de abrigar todas essas coisas que são incluídas em cuidar de uma criança. Optei
por não ter por causa disso, não sei quanto seria difícil para mim desgrudar dela.
Tenho muitos amigos crianças, mas conheço os pais, só gosto de criança com pai
e com mãe do lado. Para mim, criança sem pai, sem mãe, não serve; gosto de ter
o responsável ali, justamente porque não sei o que fazer, se tiver uma gripe
ali, vou ficar em pânico. Se tiver uma dor de dente, sou capaz de ter um troço
e não saber acudi-la.
Seus personagens devem fazer muito sucesso com as crianças.
Para montar todos os meus personagens, observo bicho e
criança. São as emoções e as reações mais inesperadas que se pode ter. O jeito,
o tempo. Bichos também são incríveis. E cada um é diferente do outro, cada
criança é diferente da outra, cada bicho é diferente do outro.
O que inspira você e o que o desanima?
O que me desanima é traição. Traição para mim não é a palavra
vulgar, foi lá e trepou com outro, nada disso, traição é você mentir para um
amigo, enganar descaradamente um amigo, isso é crime de lesa-majestade. Isso me
murcha. O resto me anima muito, me anima todo esse iniciar de descobrir um
texto, trabalhar em cima, a escolha, o problema de um personagem, o problema de
outro, eu adoro. Acho lindo. Acho bonito, gostoso. Cheio de novidade, todo dia
tem uma novidade, sabe? Novidades boas, sempre, claro. Na TV é a mesma coisa,
no cinema... Chego e vou conferir o trabalho do cenógrafo, da figurinista,
gosto de ver porque o trabalho dos outros artistas me traz informação também.
Uma vez, em um filme, vi os primeiros desenhos e a figurinista não entendeu
direito, achou que estava querendo conferir, vigiar. Depois fui de mansinho,
perguntando coisas, e ela começou a perceber. Aí nós viramos amigos. Mas no
início ela achou que eu iria brigar. Quero saber, para ver o que pensaram,
porque vou ter de vestir a roupa, não posso não ter um contato com ela, vou
representar com a roupa. Olha só: o cenário, vou pisar nele, então tenho de
saber, tenho de ter uma opinião sobre.
Você já notou seu trabalho como uma herança cultural para o
país ou, ao menos, uma contribuição cultural para o Rio de Janeiro?
Nunca pensei nisso, não, Adriana. Isso é parte você sabe do
quê? Isso vai ficar para um obituário. Porque não me interessa se depois que
morrer vai acontecer isso ou vai acontecer aquilo. Interessa agora. Agora quero
fazer o melhor de mim e quero visitar os artistas que estiverem comigo. Mas,
depois que morrer, tanto faz [risos].
Texto e imagem reproduzidos do site: livrariacultura.com.br
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