Entrevista com Luiz Carlos Maciel, o Guru da Contracultura
(1997)
Luiz Carlos Maciel foi uma espécie de guru para quem se
ligava em contracultura e arte alternativa nos anos 70. Sua coluna no jornal O
Pasquim, chamada "Underground", falava nesses assuntos numa época em
que a imprensa brasileira tinha poucos representantes nessa área de interesses.
Recentemente soube-se que Maciel estava vivendo em dificuldades, e sem trabalho
- um grande absurdo, em se tratando de
um profissional como ele. Essa postagem traz um entrevista que Maciel concedeu
ao jornal universitário Enfoque, em fevereiro de 1997. Na época ele trabalhava
na oficina de roteiristas da Globo e dava curso de roteiro para cinema e
teatro, no Rio. Na entrevista abaixo Maciel fala sobre cultura, contracultura,
cinema, música, etc:
"Enfoque - Você trabalhou com cinema, teatro, escreveu
livros, etc. Mas como começou a sua carreira?
Maciel - Eu comecei a fazer teatro amador em Porto Alegre
quando tinha 16 anos, ao mesmo tempo em que tinha que fazer vestibular. Eu
entrei para Filosofia mas continuei com o teatro, fiz algumas coisas como ator.
Mas, ao invés de seguir carreira acadêmica, eu, tomado por um estranho instinto
de aventura, fui para a Bahia por insistência de Glauber Rocha, que na época
não era conhecido, não tinha feito nenhum filme ainda. Eu tinha conhecido o
Glauber quando passei por Salvador após um festival de teatro estudantil em
Recife. Ele me convenceu a ir para a
Bahia porque achava que iriam acontecer coisas, que na Bahia ia surgir o
novo cinema brasileiro, o novo teatro brasileiro, a nova música. Aí, fui pra
lá. Na Bahia, eu ganhei, na escola de teatro, uma bolsa de estudos da Fundação
Rockfeller para ir estudar teatro nos EUA. Fui pros EUA, estudei direção,
estudei playwriting, técnicas dramatúrgicas que até hoje utilizo em meus
cursos. Quando voltei, dei aula na Escola de Teatro da Bahia, já voltei como
professor, vim para o Rio, fui professor do Conservatório Dramático Nacional,
dei aula na Martins Pena, dei bastante aula de teatro. Mas, ao mesmo tempo, não
conseguia desenvolver uma sobrevivência muito satisfatória no teatro, eu já
tinha casado, já era pai de dois filhos, então eu me dediquei também ao
jornalismo. Comecei a arranjar emprego em jornal, em revista e, ao mesmo tempo,
ia fazendo o que aparecia, minha vida foi assim. Foi assim que eu fiz cinema,
televisão, jornalismo, participei do Pasquim, aí foi muita coisa durante muitos
anos.
A sua coluna 'Underground' no Pasquim tinha como objetivo
divulgar a contracultura. Qual era a importância e como era feita a divulgação
da contracultura na época?
Olha, havia no Brasil, quando o Pasquim saiu, uma situação
política muito particular. O Pasquim saiu em 1969 e 68 tinha sido aquele ano
das manifestações estudantis e tudo o mais, que o Zuenir Ventura escreveu: 'o
ano que não terminou'. Aquilo tudo foi reprimido, a ditadura militar estava
muito forte, era um momento de repressão. As opções para superar esse estado
foram várias. Foram ao extremo com a resistência armada, as guerrilhas, a
clandestinidade e todas as coisas terríveis que aconteceram. E eu entrei no
Pasquim porque o meu amigo Tarso de Castro, que era um dos fundadores, teve
essa ideia com um grupo de amigos de fazer um jornal de humor. Durante a
ditadura de Salazar em Portugal a única coisa que era livre era o teatro de
revista, que podia criticar o governo, fazer gozação porque não era coisa
séria, era brincadeira. Aí, eu fui na disposição de que a coisa a fazer era
humor. E, realmente, os primeiros números do Pasquim têm matérias minhas
pretenciosamente humorísticas. Mas começou a chegar notícias deste movimento
contracultural, dessa revolução no comportamento que acontecia nos EUA e na
Europa também, que aparecia como uma alternativa aos ideais políticos que
tinham animado a minha geração. Ao invés de você mudar a sociedade que está aí,
você passa a viver numa sociedade própria. É a ideia que depois passou a ser
conhecida como 'sociedade alternativa'. Já que você não gosta dessa sociedade
em que você vive, você inventa uma sociedade no interior dela, onde as pessoas
possam viver de outra maneira. Essa ideia me encantou, eu achei que isso era um
ovo de Colombo, anunciava uma imaginação criadora em face à realidade. Aí, eu
passei a me informar sobre essas coisas. E o
Pasquim soube que eu estava me informando sobre isso e resolvemos fazer
duas páginas sobre esse assunto. Foi aí que surgiu o 'Underground'. O Pasquim
começou como um jornal de humor mas estava procurando outras formas de um
comportamento independente. O Tarso era um editor muito talentoso, tinha
um instinto jornalístico muito
acentuado, e aí ele viu que o Pasquim podia não ser só um jornal de humor mas
podia ter características próprias, originais, podia ter uma personalidade
diferente. Ele me estimulou e eu fiquei surpreendido com a repercussão porque
comecei a receber muitas cartas mesmo, de pessoas que diziam que queriam mudar
a maneira de viver. E, além dessas confissões pessoais, chegavam cartas dos EUA
de brasileiros que estavam lá, de jovens que estudavam lá. Tinha um menino que estudava em Berkley, na
Califórnia, que vivia mandando revistas e livros, porque eram novidade e me
mantinham informado. Aí, comecei a veicular essas informações na coluna, eu nem
escrevia as duas páginas inteiras. Teve semana em que eu não escrevia nada
porque publicava outros textos. Eu editava, na verdade, as duas páginas. Aquele
assunto era novidade e não era comentado por mais ninguém, não havia nenhum
outro jornal alternativo que falasse daquilo. Foi isso que chamou a atenção do
Tarso, era um território virgem a ser explorado. Não que ele, Tarso, se
interessasse por aquilo.
Para ele, era
interessante jornalisticamente falando, né?
É. Aí começaram a aparecer pessoas me procurando lá no
Pasquim e os outros me gozavam dizendo que só vinha maluco atrás de mim
(risos). Diziam que eu ia abrir um hospício (risos). Então eu fiquei,
inicialmente, um pouco dono do assunto. Contracultura? Quem sabe disso é o
Maciel. Não é que eu soubesse muito é porque ninguém sabia. Foi assim que
escolheram esse epíteto de 'guru da contracultura' que me persegue até hoje
(risos).
Mas você não gosta de ser chamado assim?
Não, mas eu nunca consegui
me livrar. Apalavra 'guru' significa professor e eu nunca fui professor de
ninguém."
" Você falou de sua convivência com o Glauber. O Cinema
Novo pretendia ser um cinema feito com recursos de terceiro mundo, com uma
estética de terceiro mundo...
É, quando o Glauber começou a fazer os primeiros filmes, o
cinema dito sério brasileiro estava praticamente desaparecido porque não tinha
condições de sobrevivência. Tinha havido um movimento de cinema em São Paulo,
uma tentativa de se fazer um cinema de categoria internacional através da
companhia Vera Cruz. Isso era um fenômeno tipicamente juscelinista,
correspondia àquele momento em que o Brasil estava querendo se desenvolver,
queria sonhar em deixar de ser parte do terceiro mundo e começar a ser do primeiro.
A Vera Cruz teve uma concepção hollywoodiana de filmes, de construir estúdios,
de importar câmeras, o cineasta brasileiro que tinha feito sucesso na Europa,
Alberto Cavalcante, voltou para o Brasil, vários diretores e técnicos foram
importados, o cinema brasileiro era muito tosco. Mas isso tudo resultou num
fracasso, quebrou. Então, que cinema se podia fazer no Brasil? O único cinema
que dava pra fazer aqui era a chanchada carioca, principalmente filmes que eram
feitos na época do carnaval. Quando chegava perto da época, saía um filme com
as músicas de carnaval daquele ano. Eram aquelas chanchadas com Oscarito e tal,
carnavalescas, aquilo dava dinheiro, mas não satisfazia aquela geração de novos
cineastas. Houve um cineasta chamado Nelson Pereira dos Santos que fez o filme
'Rio 40 Graus'. Era um filme sobre o Rio de Janeiro e parecia um filme
neo-realista italiano. Era um filme muito bonito, ele fez com pouco dinheiro. E
esse filme inspirou esses jovens, o Glauber em muitos sentidos pode ser
considerado como discípulo de Nelson Pereira dos Santos. 'Rio 40 Graus'
inspirou Glauber a formular essa tentativa de fazer um cinema sério,
responsável e com poucos recursos, uma ideia que acabou sendo traduzida na sua
famosa declaração de 'uma câmera na mão e uma ideia na cabeça' ou 'uma ideia na
cabeça e uma câmera na mão', né? Foi uma coisa estratégica, tática do Glauber.
Anos mais tarde, eu até falo isso no livro ('Geração em Transe'), eu perguntei
a ele se queria fazer Super 8 e ele respondeu: 'Eu gosto é de cinemascope'
(risos).
Mas você admite que o Cinema Novo era coisa mais para
intelectuais...
Sim, o Cinema Novo não conseguiu conquistar o grande
público. A principal influência do Cinema Novo, como concepção, estrutura, e
mise-en-scène é europeia. E o cinema europeu tem uma comunicação mais difícil
do que o cinema americano porque, de uma maneira geral, é um cinema mais
sofisticado, mais intelectualizado, um cinema mais épico do que dramático. O
cinema americano é dramático, é feito para se comunicar com as massas. O
público brasileiro já naquela época estava completamente obstinado pelo cinema
americano. O Glauber sabia disso e a grande luta dele era saber como destruir
isso. E ele não conseguiu. Então, a grande glória, a grande conquista do Cinema
Novo era ganhar prêmios no exterior, nos festivais de cinema. O cara fazia o
filme, no Brasil ninguém assistia, era um fracasso de bilheteria, mas ganhava
prêmio não sei onde, um ganhou prêmio em Veneza, o outro em Berlim. Era um urso
de prata, não sei o quê. Atualmente, parece que não ganha mais. Eu não sei,
ainda existem festivais no exterior?
Existem.
Pois é, mas parece até que não tem porque não sai mais no
jornal. Naquela época saía no jornal porque os brasileiros iam lá e ganhavam os
prêmios. Então eu acho que o Cinema Novo embora não tenha cumprido esse
objetivo que é fundamental, a conquista do público, do mercado, ele serviu para
levantar a moral daqueles cineastas. A visão política do Cinema novo queria o
público mas havia a coisa dele ter sido alimentado pela visão juscelinista,
daquela coisa da arte nacional ser do primeiro mundo. E isso eles conseguiram
com os prêmios lá fora.
Maciel nos anos 70
Ao mesmo tempo em que surgia o Cinema Novo, surgia o
Tropicalismo na música, tinha o Zé Celso no teatro. Você considera que uma arte
verdadeiramente brasileira estava surgindo? Qual era o objetivo desta arte?
Não acho que tenha sido a primeira arte brasileira, a arte
brasileira tem sido feita há muitos anos, há muitas décadas. José de Alencar é
arte brasileira, o Modernismo é arte brasileira.
Mas com influência europeia...
É, e continua tendo. O Cinema Novo, por exemplo, teve
influência do 'Cahiers du Cinema'. O Tropicalismo teve influência americana, do
rock, europeia, via Beatles. O próprio
Modernismo que foi uma coisa bem brasileira teve influência europeia, do
Futurismo. Em primeiro lugar o Tropicalismo foi um movimento de superação da
condição de colonização, de ser de terceiro mundo e de fazer arte de qualidade
inferior. Isso era o que todo mundo queria. Porque Villa-Lobos era um
compositor reconhecido internacionalmente, Oscar Niemeyer era um arquiteto
reconhecido internacionalmente. Portinari também, agora não se fala mais tanto,
mas na época era considerado de categoria internacional. Todo mundo queria fazer
isso, a Vera Cruz queria, a Bossa Nova quis tanto que se lançou num show no
Carnegie Hall, em Nova Iorque, para dizer que era terceiro mundo. Isso foi um
primeiro momento. Depois, foi a coisa da arte interferir na vida social, de ter
uma dimensão política, no caso do Cinema Novo, etc. E teve depois uma
interferência no comportamento das pessoas, como no caso do teatro do Zé Celso,
no caso do Tropicalismo. O Tropicalismo tem essa coisa de querer captar o
Brasil mas também essa tendência contemporânea na época de revolução no
comportamento, que acompanhou a contracultura e o rock. Então, primeiro tinha a
coisa de ir para o primeiro mundo, depois tinha a coisa política, e ,
finalmente, essa coisa de modernidade, de atualização, de estar na vanguarda,
de não fazer uma arte atrasada em relação ao que estava sendo feito na
vanguarda internacional.
Muitos ideais dos anos 60/70 se perderam hoje. O que você
pôde ver que se concretizou? Alguma coisa ficou?
Aquilo não era uma coisa para ficar, era uma coisa para
transformar. Transformações aconteceram. Mas elas não foram na extensão, na
profundidade, da natureza que se queria. Você não pode cancelar a experiência
histórica. Ela é modificadora e vai sempre se modificar. Então, dos movimentos
artísticos e culturais dos anos 60, você tem consequências, você tem efeitos.
As coisas não seriam hoje da maneira como são se eles não tivessem existido. As
coisas foram também moldadas pelo que eles fizeram. O que não quer dizer que
seja como eles queriam que fosse hoje. Tudo aquilo teve um resultado real e não
um resultado ideal que estava na nossa cabeça."
"Naquela época existiam líderes como o Glauber, o
Caetano. Hoje nós não temos mais isso, hoje não há mais um referencial...
Mas hoje você ainda têm o Caetano, ainda tem o Zé Celso, só
não tem o Glauber porque ele morreu. Eu acho que é ainda muito cedo para essa
renovação acontecer. Esses líderes foram líderes na juventude deles. Hoje em
dia eles estão na maturidade. Então esse ciclo tem que se completar. Você não
pode dizer que havia Caetano. Caetano taí, tá compondo, tá fazendo música, tá
dando palpite, tá fazendo filho, tá ficando pelado na peça do Zé Celso (risos).
Eles estão aí, aprontando as coisas deles. A transformação, a mutação radical
da que veio depois. Mas uma mutação radical exige uma certa passagem de tempo,
que você não pode prever. Então, é certo que vai ter um momento em que vão
acontecer coisas até mais agitadas talvez, e, certamente, mais surpreendente do
que as que houve em nossa juventude. A gente só não sabe o que e quando vai
ser.
No caso do Brasil, na época vocês tinham um inimigo comum,
que era a ditadura militar. Hoje, a coisa está mais diluída, mais mascarada. Os
jovens dos anos 90 não sabem pelo que brigar. Como você vê essa questão?
É. Ficou mais difícil para vocês (risos). A gente lutava de
uma maneira mais geral contra uma coisa que pode ser chamada de 'o Sistema'.
Era uma coisa meio abstrata, que não era só a ditadura militar, era aquilo que
a ditadura estava representando no poder. Então o 'sistema', um termo típico
dos anos 60, aprendeu com aquela experiência. Ele ficou mais sutil, ele é mais
inteligente, mais esperto. É um sistema de dominação, dominação essa que é
exercida hoje de maneira menos bruta, menos palpável, menos evidente. Portanto,
muito mais eficiente.
Mas você não acha que vocês eram muito ingênuos em acreditar
que poderiam mudar alguma coisa?
Pelo menos tanto quanto vocês são de acreditar que não podem
mudar nada (risos).
(Risos) Puxa, agora derrubou a nossa geração inteira. E o
que você acha desse famoso 'neo-liberalismo globalizante', que hoje em dia,
tanto se fala? Alguns falam do neo-liberalismo e da globalização como coisas
positivas e inevitáveis. Você concorda com essa opinião?
Não, isso é uma arte do sistema. Isso é um instrumento de
manipulação e controle social, isso é uma ideologia. Numa conferência do
linguista Noam Chomsky, que é um cara dos anos 60, disseram: 'Tudo tem que ser
privatizado, tem que desestatizar tudo porque o Estado não funciona'. Pois é,
mas na Suíça funciona. Lá o Estado funciona. É o país mais eficiente do mundo e
é tudo estatal. O que dizer?
Não é tão simples assim, né?
Exatamente, não é tão simples como parece. Todas essas
ideias são formulações ideológicas. Eu não quero dizer que essas mazelas
estatais não existam. A burocracia é uma coisa terrível, acabou com União
Soviética, é uma coisa que você não pode negar. Mas não é essa coisa simplista
de dizer: 'Privatiza tudo que dá certo'. Privatiza-se tudo, faz-se uma economia
radicalmente liberal... A visão econômica neoliberal é mais radical do que a
visão liberal tradicional. Então, um radicalismo destes não tem necessariamente
nenhuma garantia de que vá funcionar do mesmo jeito que um extremismo estatal,
do tipo socialista. Não há como acharmos que a solução para os problemas da
sociedade seja uma dessas formas radicais.
Como era conviver com pessoas tão articuladas e
interessantes como as citadas no livro 'Geração em Transe', no caso Glauber
Rocha, José Celso Martinez Correa e Caetano Veloso?
Não sei, talvez eu fosse tão interessante quanto eles
(risos). Nunca achei que fossem casos excepcionais, eu achava que eles não
faziam mais nada do que a obrigação em serem interessantes e articulados. Na
verdade, quando conheci o Glauber, o Caetano, eu não podia prever que eles
seriam tão famosos e tão considerados como são hoje. Eu conhecia eles como eu
conheço você, é a mesma coisa. Eram meus amigos, a gente falava sobre as coisas,
discutia e tal, quer dizer, eram pessoas normais, não tinham esta áurea mítica
que depois o talento e o trabalho deles conquistaram.
Você acha que houve uma supervalorização destas pessoas?
Não sei, só se vocês estão supervalorizando de alguma
maneira porque, por exemplo, no caso desses dois, do Glauber e do Caetano, eu
acho que é natural valorizar porque que cineasta apareceu no Brasil que tenha
tido uma obra tão audaciosa, que mexeu no cinema do jeito que o Glauber mexeu?
Que compositor tem a inspiraçãso do Caetano como poeta lirico e tudo mais? Quer
dizer, são artistas realmente talentosos que com justiça se destacaram durante
todos esses anos. Mas não precisa haver endeusamento, agora a admiração é
natural.
Você lutou tanto pela contracultura e hoje está na Globo. O
Caetano hoje está mais clean, hoje é 'Fina Estampa'. O Zé Celso, por outro
lado, que mantém a postura dos anos 60, faz um teatro, dizem, muito datado, que
já não tem muita razão de ser. Como é isso? Pode-se dizer que vocês, você e o
Caetano, no caso, aderiram ao sistema?
(Risos) Não sei. Eu não aderi ao sistema, eu trabalho na
Globo para ganhar a vida. Eu já estive em alguns debates onde disseram: '...
antes do Maciel se vender pra a Globo'. Se eu não me vender para a Globo, eu
vou ter que me vender para alguém. Eu sou de origem pobre, classe média e tive
que trabalhar a minha vida inteira, se eu não trabalhar eu morro de fome, não
vou ter onde morar. Eu gosto de morar bem, gosto de morar no Leblon, gosto de
comprar meus CDs, gosto de pegar meus vídeos na locadora, preciso de um
dinheirinho, não é pecado (risos). Isso não quer dizer que você se vendeu para
o sistema. Eu tenho que ser hippie e morar embaixo da ponte? Você tem que se
adaptar aos tempos. O Caetano era um jovem artista rebelde, agora ele é um
grande senhor da Música Popular Brasileira.
O Zé Celso é que parece que quer ficar garoto pra sempre, forever
(risos). Ele não quer abandonar a juventude, ele quer aquela coisa sempre. Eu
acho válido. Hoje, umas das experiências que tenho na minha vida,
particularmente, como indivíduo, é a de você respeitar a liberdade dos outros e
as escolhas que eles fazem de como eles querem viver suas vidas. Em 'If 6 was
9', Jimi Hendrix diz: "eu sou aquele que vai morrer portanto me deixe
viver como eu quero'. Você vai morrer, por que você vai viver como os outros
querem? Você tem que viver como você quer. Então, se o Caetano quer viver
'clean', que viva 'clean'. Se o Zé Celso quer viver como um desbundado até
hoje, ótimo, que viva. As pessoas não precisam ter padrão de comportamento. A
originalidade de cada um é diferente do outro.
Mas se vocês que eram referenciais estão onde estão...
Ah, então acho ótimo porque você não pode pegar este referencial
para repetir esse referencial. Eu sempre acho muito esquisito quando dizem que
tem um grupo de neo-hippies. Não é para ser neo-hippie porque esse negócio de
hippie já foi feito na minha geração, vocês vão fazer de novo? Que falta de
imaginação! Que falta de criatividade! Vocês têm que fazer uma coisa diferente,
original. Tem que se fazer sempre um gesto surpreendente. O zen diz: 'A cada
momento, um novo momento'. Você tem que estar sempre criando e este é o grande
segredo da vida, da existência, é esta criação permanente. Tem uma estória do
mestre Zen que diz que todas as perguntas que faziam para ele, ele espetava o
dedo para o céu. E ele tinha um discípulo que começou a imitar ele. Quando
perguntavam alguma coisa ele fazia o mesmo gesto, apontando para o céu. Aí, o
mestre chamou o discípulo para dar-lhe uma lição. Ao lhe fazer uma pergunta, o
discípulo espetou o dedo pra cima. O mestre tinha uma faca nas costas e tchum!,
cortou fora o dedo do discípulo. Aí o mestre lhe fez outra pergunta e o discípulo
foi espetar o dedo mas não pôde porque, agora, só tinha um toco. A estória nos
diz que quando ele levantou o dedo, teve uma luz. Ele entendeu que, desta
forma, tinha feito um gesto original. Um gesto que o mestre nunca tinha feito,
que era levantar um cotoco de dedo (risos).
Então qual seria a mensagem para esses jovens de fim de
milênio?
Há um momento em que vocês vão encontrar o que não foi feito
como minha geração encontrou. Não sei como se passa porque nós não fizemos nada
pra isso, cai do céu. Você só tem que reconhecer que aconteceu e é uma experiência fantástica. Eu acho que é uma
experiência fundamental da vida você descobrir a originalidade da sua vocação e
a originalidade da sua presença.
Você já identifica algum movimento surgindo por aí?
Não, prefiro terminar falando de forma generalizada sem me
comprometer com nenhuma manifestação em particular (risos)."
Texto e imagem reproduzidos do blog: taratitaragua.blogspot.com.br
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