domingo, 10 de dezembro de 2017

Entrevista com Luiz Carlos Maciel


Entrevista com Luiz Carlos Maciel, o Guru da Contracultura (1997) 

Luiz Carlos Maciel foi uma espécie de guru para quem se ligava em contracultura e arte alternativa nos anos 70. Sua coluna no jornal O Pasquim, chamada "Underground", falava nesses assuntos numa época em que a imprensa brasileira tinha poucos representantes nessa área de interesses. 

Recentemente soube-se que Maciel estava vivendo em dificuldades, e sem trabalho -  um grande absurdo, em se tratando de um profissional como ele. Essa postagem traz um entrevista que Maciel concedeu ao jornal universitário Enfoque, em fevereiro de 1997. Na época ele trabalhava na oficina de roteiristas da Globo e dava curso de roteiro para cinema e teatro, no Rio. Na entrevista abaixo Maciel fala sobre cultura, contracultura, cinema, música, etc:

"Enfoque - Você trabalhou com cinema, teatro, escreveu livros, etc. Mas como começou a sua carreira?
Maciel - Eu comecei a fazer teatro amador em Porto Alegre quando tinha 16 anos, ao mesmo tempo em que tinha que fazer vestibular. Eu entrei para Filosofia mas continuei com o teatro, fiz algumas coisas como ator. Mas, ao invés de seguir carreira acadêmica, eu, tomado por um estranho instinto de aventura, fui para a Bahia por insistência de Glauber Rocha, que na época não era conhecido, não tinha feito nenhum filme ainda. Eu tinha conhecido o Glauber quando passei por Salvador após um festival de teatro estudantil em Recife. Ele me convenceu a ir para a  Bahia porque achava que iriam acontecer coisas, que na Bahia ia surgir o novo cinema brasileiro, o novo teatro brasileiro, a nova música. Aí, fui pra lá. Na Bahia, eu ganhei, na escola de teatro, uma bolsa de estudos da Fundação Rockfeller para ir estudar teatro nos EUA. Fui pros EUA, estudei direção, estudei playwriting, técnicas dramatúrgicas que até hoje utilizo em meus cursos. Quando voltei, dei aula na Escola de Teatro da Bahia, já voltei como professor, vim para o Rio, fui professor do Conservatório Dramático Nacional, dei aula na Martins Pena, dei bastante aula de teatro. Mas, ao mesmo tempo, não conseguia desenvolver uma sobrevivência muito satisfatória no teatro, eu já tinha casado, já era pai de dois filhos, então eu me dediquei também ao jornalismo. Comecei a arranjar emprego em jornal, em revista e, ao mesmo tempo, ia fazendo o que aparecia, minha vida foi assim. Foi assim que eu fiz cinema, televisão, jornalismo, participei do Pasquim, aí foi muita coisa durante muitos anos.

A sua coluna 'Underground' no Pasquim tinha como objetivo divulgar a contracultura. Qual era a importância e como era feita a divulgação da contracultura na época?
Olha, havia no Brasil, quando o Pasquim saiu, uma situação política muito particular. O Pasquim saiu em 1969 e 68 tinha sido aquele ano das manifestações estudantis e tudo o mais, que o Zuenir Ventura escreveu: 'o ano que não terminou'. Aquilo tudo foi reprimido, a ditadura militar estava muito forte, era um momento de repressão. As opções para superar esse estado foram várias. Foram ao extremo com a resistência armada, as guerrilhas, a clandestinidade e todas as coisas terríveis que aconteceram. E eu entrei no Pasquim porque o meu amigo Tarso de Castro, que era um dos fundadores, teve essa ideia com um grupo de amigos de fazer um jornal de humor. Durante a ditadura de Salazar em Portugal a única coisa que era livre era o teatro de revista, que podia criticar o governo, fazer gozação porque não era coisa séria, era brincadeira. Aí, eu fui na disposição de que a coisa a fazer era humor. E, realmente, os primeiros números do Pasquim têm matérias minhas pretenciosamente humorísticas. Mas começou a chegar notícias deste movimento contracultural, dessa revolução no comportamento que acontecia nos EUA e na Europa também, que aparecia como uma alternativa aos ideais políticos que tinham animado a minha geração. Ao invés de você mudar a sociedade que está aí, você passa a viver numa sociedade própria. É a ideia que depois passou a ser conhecida como 'sociedade alternativa'. Já que você não gosta dessa sociedade em que você vive, você inventa uma sociedade no interior dela, onde as pessoas possam viver de outra maneira. Essa ideia me encantou, eu achei que isso era um ovo de Colombo, anunciava uma imaginação criadora em face à realidade. Aí, eu passei a me informar sobre essas coisas. E o  Pasquim soube que eu estava me informando sobre isso e resolvemos fazer duas páginas sobre esse assunto. Foi aí que surgiu o 'Underground'. O Pasquim começou como um jornal de humor mas estava procurando outras formas de um comportamento independente. O Tarso era um editor muito talentoso, tinha um  instinto jornalístico muito acentuado, e aí ele viu que o Pasquim podia não ser só um jornal de humor mas podia ter características próprias, originais, podia ter uma personalidade diferente. Ele me estimulou e eu fiquei surpreendido com a repercussão porque comecei a receber muitas cartas mesmo, de pessoas que diziam que queriam mudar a maneira de viver. E, além dessas confissões pessoais, chegavam cartas dos EUA de brasileiros que estavam lá, de jovens que estudavam lá.  Tinha um menino que estudava em Berkley, na Califórnia, que vivia mandando revistas e livros, porque eram novidade e me mantinham informado. Aí, comecei a veicular essas informações na coluna, eu nem escrevia as duas páginas inteiras. Teve semana em que eu não escrevia nada porque publicava outros textos. Eu editava, na verdade, as duas páginas. Aquele assunto era novidade e não era comentado por mais ninguém, não havia nenhum outro jornal alternativo que falasse daquilo. Foi isso que chamou a atenção do Tarso, era um território virgem a ser explorado. Não que ele, Tarso, se interessasse por aquilo.

 Para ele, era interessante jornalisticamente falando, né?
É. Aí começaram a aparecer pessoas me procurando lá no Pasquim e os outros me gozavam dizendo que só vinha maluco atrás de mim (risos). Diziam que eu ia abrir um hospício (risos). Então eu fiquei, inicialmente, um pouco dono do assunto. Contracultura? Quem sabe disso é o Maciel. Não é que eu soubesse muito é porque ninguém sabia. Foi assim que escolheram esse epíteto de 'guru da contracultura' que me persegue até hoje (risos).

Mas você não gosta de ser chamado assim?
Não, mas  eu nunca consegui me livrar. Apalavra 'guru' significa professor e eu nunca fui professor de ninguém."

" Você falou de sua convivência com o Glauber. O Cinema Novo pretendia ser um cinema feito com recursos de terceiro mundo, com uma estética de terceiro mundo...

É, quando o Glauber começou a fazer os primeiros filmes, o cinema dito sério brasileiro estava praticamente desaparecido porque não tinha condições de sobrevivência. Tinha havido um movimento de cinema em São Paulo, uma tentativa de se fazer um cinema de categoria internacional através da companhia Vera Cruz. Isso era um fenômeno tipicamente juscelinista, correspondia àquele momento em que o Brasil estava querendo se desenvolver, queria sonhar em deixar de ser parte do terceiro mundo e começar a ser do primeiro. A Vera Cruz teve uma concepção hollywoodiana de filmes, de construir estúdios, de importar câmeras, o cineasta brasileiro que tinha feito sucesso na Europa, Alberto Cavalcante, voltou para o Brasil, vários diretores e técnicos foram importados, o cinema brasileiro era muito tosco. Mas isso tudo resultou num fracasso, quebrou. Então, que cinema se podia fazer no Brasil? O único cinema que dava pra fazer aqui era a chanchada carioca, principalmente filmes que eram feitos na época do carnaval. Quando chegava perto da época, saía um filme com as músicas de carnaval daquele ano. Eram aquelas chanchadas com Oscarito e tal, carnavalescas, aquilo dava dinheiro, mas não satisfazia aquela geração de novos cineastas. Houve um cineasta chamado Nelson Pereira dos Santos que fez o filme 'Rio 40 Graus'. Era um filme sobre o Rio de Janeiro e parecia um filme neo-realista italiano. Era um filme muito bonito, ele fez com pouco dinheiro. E esse filme inspirou esses jovens, o Glauber em muitos sentidos pode ser considerado como discípulo de Nelson Pereira dos Santos. 'Rio 40 Graus' inspirou Glauber a formular essa tentativa de fazer um cinema sério, responsável e com poucos recursos, uma ideia que acabou sendo traduzida na sua famosa declaração de 'uma câmera na mão e uma ideia na cabeça' ou 'uma ideia na cabeça e uma câmera na mão', né? Foi uma coisa estratégica, tática do Glauber. Anos mais tarde, eu até falo isso no livro ('Geração em Transe'), eu perguntei a ele se queria fazer Super 8 e ele respondeu: 'Eu gosto é de cinemascope' (risos).

Mas você admite que o Cinema Novo era coisa mais para intelectuais...

Sim, o Cinema Novo não conseguiu conquistar o grande público. A principal influência do Cinema Novo, como concepção, estrutura, e mise-en-scène é europeia. E o cinema europeu tem uma comunicação mais difícil do que o cinema americano porque, de uma maneira geral, é um cinema mais sofisticado, mais intelectualizado, um cinema mais épico do que dramático. O cinema americano é dramático, é feito para se comunicar com as massas. O público brasileiro já naquela época estava completamente obstinado pelo cinema americano. O Glauber sabia disso e a grande luta dele era saber como destruir isso. E ele não conseguiu. Então, a grande glória, a grande conquista do Cinema Novo era ganhar prêmios no exterior, nos festivais de cinema. O cara fazia o filme, no Brasil ninguém assistia, era um fracasso de bilheteria, mas ganhava prêmio não sei onde, um ganhou prêmio em Veneza, o outro em Berlim. Era um urso de prata, não sei o quê. Atualmente, parece que não ganha mais. Eu não sei, ainda existem festivais no exterior?

Existem.

Pois é, mas parece até que não tem porque não sai mais no jornal. Naquela época saía no jornal porque os brasileiros iam lá e ganhavam os prêmios. Então eu acho que o Cinema Novo embora não tenha cumprido esse objetivo que é fundamental, a conquista do público, do mercado, ele serviu para levantar a moral daqueles cineastas. A visão política do Cinema novo queria o público mas havia a coisa dele ter sido alimentado pela visão juscelinista, daquela coisa da arte nacional ser do primeiro mundo. E isso eles conseguiram com os prêmios lá fora.

Maciel nos anos 70

Ao mesmo tempo em que surgia o Cinema Novo, surgia o Tropicalismo na música, tinha o Zé Celso no teatro. Você considera que uma arte verdadeiramente brasileira estava surgindo? Qual era o objetivo desta arte?
Não acho que tenha sido a primeira arte brasileira, a arte brasileira tem sido feita há muitos anos, há muitas décadas. José de Alencar é arte brasileira, o Modernismo é arte brasileira.
Mas com influência europeia...
É, e continua tendo. O Cinema Novo, por exemplo, teve influência do 'Cahiers du Cinema'. O Tropicalismo teve influência americana, do rock, europeia, via  Beatles. O próprio Modernismo que foi uma coisa bem brasileira teve influência europeia, do Futurismo. Em primeiro lugar o Tropicalismo foi um movimento de superação da condição de colonização, de ser de terceiro mundo e de fazer arte de qualidade inferior. Isso era o que todo mundo queria. Porque Villa-Lobos era um compositor reconhecido internacionalmente, Oscar Niemeyer era um arquiteto reconhecido internacionalmente. Portinari também, agora não se fala mais tanto, mas na época era considerado de categoria internacional. Todo mundo queria fazer isso, a Vera Cruz queria, a Bossa Nova quis tanto que se lançou num show no Carnegie Hall, em Nova Iorque, para dizer que era terceiro mundo. Isso foi um primeiro momento. Depois, foi a coisa da arte interferir na vida social, de ter uma dimensão política, no caso do Cinema Novo, etc. E teve depois uma interferência no comportamento das pessoas, como no caso do teatro do Zé Celso, no caso do Tropicalismo. O Tropicalismo tem essa coisa de querer captar o Brasil mas também essa tendência contemporânea na época de revolução no comportamento, que acompanhou a contracultura e o rock. Então, primeiro tinha a coisa de ir para o primeiro mundo, depois tinha a coisa política, e , finalmente, essa coisa de modernidade, de atualização, de estar na vanguarda, de não fazer uma arte atrasada em relação ao que estava sendo feito na vanguarda internacional.

Muitos ideais dos anos 60/70 se perderam hoje. O que você pôde ver que se concretizou? Alguma coisa ficou?
Aquilo não era uma coisa para ficar, era uma coisa para transformar. Transformações aconteceram. Mas elas não foram na extensão, na profundidade, da natureza que se queria. Você não pode cancelar a experiência histórica. Ela é modificadora e vai sempre se modificar. Então, dos movimentos artísticos e culturais dos anos 60, você tem consequências, você tem efeitos. As coisas não seriam hoje da maneira como são se eles não tivessem existido. As coisas foram também moldadas pelo que eles fizeram. O que não quer dizer que seja como eles queriam que fosse hoje. Tudo aquilo teve um resultado real e não um resultado ideal que estava na nossa cabeça."

"Naquela época existiam líderes como o Glauber, o Caetano. Hoje nós não temos mais isso, hoje não há mais um referencial...
Mas hoje você ainda têm o Caetano, ainda tem o Zé Celso, só não tem o Glauber porque ele morreu. Eu acho que é ainda muito cedo para essa renovação acontecer. Esses líderes foram líderes na juventude deles. Hoje em dia eles estão na maturidade. Então esse ciclo tem que se completar. Você não pode dizer que havia Caetano. Caetano taí, tá compondo, tá fazendo música, tá dando palpite, tá fazendo filho, tá ficando pelado na peça do Zé Celso (risos). Eles estão aí, aprontando as coisas deles. A transformação, a mutação radical da que veio depois. Mas uma mutação radical exige uma certa passagem de tempo, que você não pode prever. Então, é certo que vai ter um momento em que vão acontecer coisas até mais agitadas talvez, e, certamente, mais surpreendente do que as que houve em nossa juventude. A gente só não sabe o que e quando vai ser.

No caso do Brasil, na época vocês tinham um inimigo comum, que era a ditadura militar. Hoje, a coisa está mais diluída, mais mascarada. Os jovens dos anos 90 não sabem pelo que brigar. Como você vê essa questão?
É. Ficou mais difícil para vocês (risos). A gente lutava de uma maneira mais geral contra uma coisa que pode ser chamada de 'o Sistema'. Era uma coisa meio abstrata, que não era só a ditadura militar, era aquilo que a ditadura estava representando no poder. Então o 'sistema', um termo típico dos anos 60, aprendeu com aquela experiência. Ele ficou mais sutil, ele é mais inteligente, mais esperto. É um sistema de dominação, dominação essa que é exercida hoje de maneira menos bruta, menos palpável, menos evidente. Portanto, muito mais eficiente.

Mas você não acha que vocês eram muito ingênuos em acreditar que poderiam mudar alguma coisa?
Pelo menos tanto quanto vocês são de acreditar que não podem mudar nada (risos).
(Risos) Puxa, agora derrubou a nossa geração inteira. E o que você acha desse famoso 'neo-liberalismo globalizante', que hoje em dia, tanto se fala? Alguns falam do neo-liberalismo e da globalização como coisas positivas e inevitáveis. Você concorda com essa opinião?
Não, isso é uma arte do sistema. Isso é um instrumento de manipulação e controle social, isso é uma ideologia. Numa conferência do linguista Noam Chomsky, que é um cara dos anos 60, disseram: 'Tudo tem que ser privatizado, tem que desestatizar tudo porque o Estado não funciona'. Pois é, mas na Suíça funciona. Lá o Estado funciona. É o país mais eficiente do mundo e é tudo estatal. O que dizer?

Não é tão simples assim, né?
Exatamente, não é tão simples como parece. Todas essas ideias são formulações ideológicas. Eu não quero dizer que essas mazelas estatais não existam. A burocracia é uma coisa terrível, acabou com União Soviética, é uma coisa que você não pode negar. Mas não é essa coisa simplista de dizer: 'Privatiza tudo que dá certo'. Privatiza-se tudo, faz-se uma economia radicalmente liberal... A visão econômica neoliberal é mais radical do que a visão liberal tradicional. Então, um radicalismo destes não tem necessariamente nenhuma garantia de que vá funcionar do mesmo jeito que um extremismo estatal, do tipo socialista. Não há como acharmos que a solução para os problemas da sociedade seja uma dessas formas radicais.

Como era conviver com pessoas tão articuladas e interessantes como as citadas no livro 'Geração em Transe', no caso Glauber Rocha, José Celso Martinez Correa e Caetano Veloso?
Não sei, talvez eu fosse tão interessante quanto eles (risos). Nunca achei que fossem casos excepcionais, eu achava que eles não faziam mais nada do que a obrigação em serem interessantes e articulados. Na verdade, quando conheci o Glauber, o Caetano, eu não podia prever que eles seriam tão famosos e tão considerados como são hoje. Eu conhecia eles como eu conheço você, é a mesma coisa. Eram meus amigos, a gente falava sobre as coisas, discutia e tal, quer dizer, eram pessoas normais, não tinham esta áurea mítica que depois o talento e o trabalho deles conquistaram.

Você acha que houve uma supervalorização destas pessoas?
Não sei, só se vocês estão supervalorizando de alguma maneira porque, por exemplo, no caso desses dois, do Glauber e do Caetano, eu acho que é natural valorizar porque que cineasta apareceu no Brasil que tenha tido uma obra tão audaciosa, que mexeu no cinema do jeito que o Glauber mexeu? Que compositor tem a inspiraçãso do Caetano como poeta lirico e tudo mais? Quer dizer, são artistas realmente talentosos que com justiça se destacaram durante todos esses anos. Mas não precisa haver endeusamento, agora a admiração é natural.

Você lutou tanto pela contracultura e hoje está na Globo. O Caetano hoje está mais clean, hoje é 'Fina Estampa'. O Zé Celso, por outro lado, que mantém a postura dos anos 60, faz um teatro, dizem, muito datado, que já não tem muita razão de ser. Como é isso? Pode-se dizer que vocês, você e o Caetano, no caso, aderiram ao sistema?
(Risos) Não sei. Eu não aderi ao sistema, eu trabalho na Globo para ganhar a vida. Eu já estive em alguns debates onde disseram: '... antes do Maciel se vender pra a Globo'. Se eu não me vender para a Globo, eu vou ter que me vender para alguém. Eu sou de origem pobre, classe média e tive que trabalhar a minha vida inteira, se eu não trabalhar eu morro de fome, não vou ter onde morar. Eu gosto de morar bem, gosto de morar no Leblon, gosto de comprar meus CDs, gosto de pegar meus vídeos na locadora, preciso de um dinheirinho, não é pecado (risos). Isso não quer dizer que você se vendeu para o sistema. Eu tenho que ser hippie e morar embaixo da ponte? Você tem que se adaptar aos tempos. O Caetano era um jovem artista rebelde, agora ele é um grande senhor da Música Popular Brasileira.  O Zé Celso é que parece que quer ficar garoto pra sempre, forever (risos). Ele não quer abandonar a juventude, ele quer aquela coisa sempre. Eu acho válido. Hoje, umas das experiências que tenho na minha vida, particularmente, como indivíduo, é a de você respeitar a liberdade dos outros e as escolhas que eles fazem de como eles querem viver suas vidas. Em 'If 6 was 9', Jimi Hendrix diz: "eu sou aquele que vai morrer portanto me deixe viver como eu quero'. Você vai morrer, por que você vai viver como os outros querem? Você tem que viver como você quer. Então, se o Caetano quer viver 'clean', que viva 'clean'. Se o Zé Celso quer viver como um desbundado até hoje, ótimo, que viva. As pessoas não precisam ter padrão de comportamento. A originalidade de cada um é diferente do outro.

Mas se vocês que eram referenciais estão onde estão...

Ah, então acho ótimo porque você não pode pegar este referencial para repetir esse referencial. Eu sempre acho muito esquisito quando dizem que tem um grupo de neo-hippies. Não é para ser neo-hippie porque esse negócio de hippie já foi feito na minha geração, vocês vão fazer de novo? Que falta de imaginação! Que falta de criatividade! Vocês têm que fazer uma coisa diferente, original. Tem que se fazer sempre um gesto surpreendente. O zen diz: 'A cada momento, um novo momento'. Você tem que estar sempre criando e este é o grande segredo da vida, da existência, é esta criação permanente. Tem uma estória do mestre Zen que diz que todas as perguntas que faziam para ele, ele espetava o dedo para o céu. E ele tinha um discípulo que começou a imitar ele. Quando perguntavam alguma coisa ele fazia o mesmo gesto, apontando para o céu. Aí, o mestre chamou o discípulo para dar-lhe uma lição. Ao lhe fazer uma pergunta, o discípulo espetou o dedo pra cima. O mestre tinha uma faca nas costas e tchum!, cortou fora o dedo do discípulo. Aí o mestre lhe fez outra pergunta e o discípulo foi espetar o dedo mas não pôde porque, agora, só tinha um toco. A estória nos diz que quando ele levantou o dedo, teve uma luz. Ele entendeu que, desta forma, tinha feito um gesto original. Um gesto que o mestre nunca tinha feito, que era levantar um cotoco de dedo (risos).

Então qual seria a mensagem para esses jovens de fim de milênio?
Há um momento em que vocês vão encontrar o que não foi feito como minha geração encontrou. Não sei como se passa porque nós não fizemos nada pra isso, cai do céu. Você só tem que reconhecer que aconteceu e é uma  experiência fantástica. Eu acho que é uma experiência fundamental da vida você descobrir a originalidade da sua vocação e a originalidade da sua presença.

Você já identifica algum movimento surgindo por aí?
Não, prefiro terminar falando de forma generalizada sem me comprometer com nenhuma manifestação em particular (risos)."

Texto e imagem reproduzidos do blog: taratitaragua.blogspot.com.br        

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