A fantástica história da Livraria Cultura
Euler de França Belém.
Os Herz chegaram ao Brasil fugindo de Hitler, passaram a
alugar livros e construíram a rede de livrarias mais importante do país
Pode-se dizer que um livro é um objeto delicioso? Creio que
sim. É o caso de “O Livreiro” (Planeta, 218 páginas), de Pedro Herz, o
empresário que dirige a Livraria Cultura — talvez a melhor do Brasil. Trata-se
de um pequeno tesouro.
Pedro Herz, de 77 anos, conta como surgiu a livraria, que
tem 70 anos, e como está se processando a sua modernização. A rede conta com 17
lojas, 1,5 mil funcionários, 5 milhões de clientes e 9 milhões de produtos.
Números que a colocam acima de algumas indústrias importantes, mas cuja
automação reduziu postos de trabalho. Com a aquisição da Fnac, a Cultura terá
mais 12 lojas — uma delas no shopping Flamboyant, em Goiânia — e 600
funcionários.
Os pais de Pedro Herz, Kurt e Eva Herz, vieram para o
Brasil, em 1939, para não cair nas mãos cruentas dos nazistas de Adolf Hitler.
Trata-se de uma família judaica.
Para melhorar as finanças da casa, a empreendedora Eva Herz
criou a Biblioteca Circulante, em 1947, na Alameda Lorena, nos Jardins. A alemã
comprou dez livros em alemão — como “O Diário de Anne Frank” e “Doutor Jivago”,
de Boris Pasternak — e começou a emprestá-los aos compatriotas.
A Biblioteca Circulante, para diversificar o público e o
negócio, passou a emprestar livros de escritores brasileiros, como Machado de
Assis, Jorge Amado, Erico Verissimo e Raquel de Queiroz. Na casa não cabia mais
os livros e seus moradores. Estava atulhada. A família teve de alugar outra
residência para morar.
Sob pressão dos leitores, Eva Herz abriu a Livraria Cultura,
que funcionava na sua casa, sem abandonar a Biblioteca Circulante. Certa feita,
um cliente perguntou se havia um exemplar do livro “A Nossa Vida Sexual”, do
médico alemão Fritz Kahn. Kurt Kerz perguntou para a mãe de Pedro Herz, que
estava na cozinha: “Querida, ainda temos nossa vida sexual?” Há outras histórias
interessantíssimas (que não estão relatadas neste texto).
Mulher cosmopolita, Eva Herz sugeriu que o filho Pedro Herz
viajasse pela Europa, em 1958. Depois das essenciais aulas práticas com a mãe,
aprendeu, com o apoio de europeus, a ser um livreiro.
Na Suíça, conheceu Otto Frank. Ele era amigo de Erich e
Ruth, tios de Pedro Herz. O pai de Anne Frank jantava na casa dos parentes do
jovem brasileiro. “Era um homem simpático, educado, falava sobre tudo. Mas
jamais o vi repassando o fim de sua família em campos de concentração, nem
particularmente mencionar a perda de sua filha.”
Em Paris, trabalhou como balconista num botequim em
Saint-Germain-des-Prés. Em Londres, mesmo tremendo, foi locutor da BBC durante
alguns meses. Depois, prestou serviço para um contrabandista de macacos. Sem
saber, inicialmente, do que se tratava.
Passou quase dois anos na Europa, trabalhando e
divertindo-se. Eva e Kurt Herz não mandavam dinheiro. Inspirado pelos pais,
Pedro Herz adotou o lema: “Faça, não espere que façam por você. Se errar, não
tem problema, conserte. Se não errar, vá adiante. Mas faça”.
Ao voltar para o Brasil, Pedro Herz trabalhou em vários
lugares, como a Editora Abril. Ajudou a elaborar o “Guia Quatro Rodas”.
Livraria Cultura
Depois de 22 anos alugando livros, os Herz decidiram abrir a
Livraria Cultura no Conjunto Nacional, em 1969. Eva Herz dizia que a Paulista
era a “avenida do futuro”. Pedro Herz deixou a Abril e associou-se à mãe.
Fecharam a Biblioteca Circulante, pois o novo negócio era vender e não
emprestar livros.
Uma das funções de Pedro Herz era negociar com as editoras,
como Cultrix, Perspectiva, Zahar, Brasiliense, Melhoramentos e Companhia
Editora Nacional.
Sob o tacão do AI-5, que levara a “dita” a ser mais “dura”,
até a Livraria Cultura começou a ser vigiada por agentes do regime militar. Um
araponga encrespou com o livro “Cuba de Fidel: Viagem à Ilha Proibida”, de
Ignácio Loyola Brandão. No seu relatório, escreveu que o livro-reportagem era
“desinteressante”. Pedro Herz acha que o agente “errou feio”. Para a época,
talvez não fosse. Hoje, não tem importância alguma e chega a ser ingênuo.
Exemplares de um livro sobre o malufício de Paulo Maluf
foram apreendidos, na Livraria Cultura, por agentes da ditadura. A obra foi
escrita por José Yunes, que denunciava corrupção no governo do político do PDS.
Envolvido no escândalo lavajatista, José Yunes é o José Carlos Bumlay do
presidente Michel Temer. O primeiro-amigo.
Em 1973, os dirigentes da Livraria Cultura decidiram
importar livros sem intermediários. Pedro Herz, que fala alemão fluentemente,
passou a frequentar a Feira do Livro de Frankfurt, na Alemanha. O livreiro diz
que não abre mão de negociar olhando nos olhos de seus interlocutores. Com a
internet, “não haveria a necessidade de pagar caro e ir tão longe para ter
encontros pessoais. Ainda assim, não abro mão deles. As características individuais
contam muito numa transação comercial”.
Em 1978, Pedro Herz associa-se ao publicitário Ricardo
Ramos, filho de Graciliano Ramos, e ao jornalista Gilberto Mansur na criação da
HRM. A editora publicou pela primeira vez “Um Copo de Cólera”, de Raduan Nassar,
e “Ópera do Malandro”, de Chico Buarque. O trio editou Hilda Hilst e Lygia
Fagundes Telles. Ao “descobrir” que era mais livreiro do que editor, saiu da
sociedade.
A Livraria Cultura começou com lojas menores no Conjunto
Nacional. Depois, a família criou livrarias menores noutros lugares, mas não
deu certo. Em seguida, decidiu abrir uma loja-âncora no Shopping Villa-Lobos,
em São Paulo, em 2000. Lá, além dos livros, começou a vender CDs e DVDs. Pedro
Herz pensou: “Melhor errar, e consertar, do que não errar, sem nunca ter tido a
coragem de tentar”. Ele pediu ao arquiteto Fernando Brandão que pensasse uma
livraria que “acolhesse” e “segurasse” — um lugar para “chegar e ficar” — os
leitores por mais tempo. Uma das inovações foi a construção de um auditório — a
primeira Sala Eva Herz. Abriram uma cafeteria terceirizada.
Os Herz abriram livrarias em Porto Alegre (2003), em
Brasília (2004) e em Recife (2005). Até chegarem a 17 livrarias. São tão
bonitas que os arquitetos (Fernando Brandão e Marcio Kogan) que fizeram os
projetos foram premiados nacional e internacionalmente.
A livraria que mais chama atenção do público é a do Conjunto
Nacional. Mas nem sempre foi assim. Inicialmente, funcionava em quatro salas.
Quando o Cine Astor fechou, Pedro Herz começou a namorar o lugar. Aí o
proprietário ofereceu-lhe o espaço.
Para resolver o problema do “declive acentuado” da área, o
arquiteto Fernando Brandão “bolou uma saída criativa: propôs fazer a loja em
três níveis, sem perder o pé-direito magnífico”. A loja foi inaugurada em maio
de 2017 e é um sucesso. Conta com o Teatro Eva Herz (onde assisti um belo
espetáculo de Olívia Byington). Livraria é o templo dos incréus, mas não
apenas deles, claro (é ecumênica e democrática). A Livraria Cultura, então, é
um sucesso de público. Tornou-se inclusive local de turismo — como a belíssima
El Ateneo, de Buenos Aires, e a Lello, no Porto, em Portugal.
No livro “O Caderno”, o escritor José Saramago, Prêmio Nobel
de Literatura, escreveu: “A última imagem que levamos do Brasil é a de uma bonita
livraria, uma catedral de livros, moderna, eficaz, bela. Uma livraria para
comprar livros, claro, mas também para desfrutar do espetáculo impressionante
de tantos títulos organizados de uma forma tão atrativa, como se não fosse um
armazém, como se de uma obra de arte se tratasse. A Livraria Cultura é uma obra
de arte”. Discordar quem há de?
A criançada adora a Livraria Cultura (com aquele dragão
simpático e belo) — um lugar lúdico, quiçá um parque de diversão. Mas há
garotos que “manuseiam os livros sem cuidado, jogam os volumes onde bem
entendem, andam sobre eles, chegam a rasgar páginas… e os pais não dizem
nada!”, lamenta Pedro Herz, um civilizador. A livraria precisa arcar com o
prejuízo.
O bom leitor se forma na escola, com professores orientando
os alunos? Pedro Herz sugere que “o bom leitor se forma em casa”. Ele está
certo, em parte. No geral, os pais, notadamente os que chegam cansados do
trabalho, às vezes exaustivo, não leem e, mesmo que queiram, não sabem orientar
os filhos. Portanto, não dá para radicalizar: a escola às vezes forma bons
leitores. A professora Soninha Santos, dos colégios Externato São José e
Agostiniano, em Goiânia, é uma notável formadora de novos leitores. Talvez seja
hors-concours.
Era Amazon
Por que investir no livro impresso se cresce o número dos
que cantam, sem verso e sem prosa, sua extinção? Pedro Herz acredita, “mais do
que nunca, na essencialidade do que ele propicia — a leitura. Só vamos perder
se desaprendermos o saudável, o insubstituível hábito da leitura”. “Ler para
ser”, eis o lema do livreiro. O livro não é, portanto, o dinossauro da hora. Há
menos “uma crise dos livros” e mais “uma crise de leitores”, postula.
O livro vende pouco no Brasil porque é caro? “Não concordo.
O livro não vende no Brasil porque a cada dia que passa este é um país com
menos leitores. Vende-se livro até barato no Brasil. Livro caro é a
justificativa de que muitos se valem para não comprar. E não ler, o que é
péssimo. Quando um cliente chega para mim, com uma pilha de livros comprados,
dizendo: ‘Pedro, deixei agora uma fortuna na sua livraria!’, eu imediatamente
respondo: ‘Que ótimo, melhor do que gastar com médico’.”
Pedro Herz diz que as pessoas nas redes sociais comentam
livros e ajudam a vendê-los. Mas “a informação que fica, de verdade, é a
impressa. O resto passa rápido”. O livreiro sustenta que noites de autógrafo
funcionam no Brasil. As editoras patropis, ao contrário das americanas,
raramente anunciam nos jornais.
Há uma crise no varejo, não apenas nas livrarias. “A verdade
é que hoje nos deparamos com uma incógnita, não só em nosso país como no mundo,
em relação ao futuro das transações comerciais. Tenho a impressão de que o
modelo megastore, ou seja, livrarias com 3 mil, 4 mil m², já não funciona tão
bem.” Pedro Herz menciona a decadência da Barnes & Noble (a revisão
descuidada deixou passar Barnes & Nobel).
Curiosamente, Pedro Herz, atentíssimo às novas tecnologias,
não critica a Amazon. Nota que, depois de ter se tornado a rainha da internet,
dado seus preços mais baixos (um livro sobre Paris, recém-lançado, custa quase
40 reais menos na Amazon do que na Cultura e na Livraria Travessa) e entregas
rápidas, a empresa de Jeff Bezos está abrindo livrarias físicas. “Hoje a
primeira loja da nossa rede é virtual, com faturamento superior ao da grande
loja física no Conjunto Nacional. Cerca de 30% do nosso movimento vem das
compras online e, francamente, isso não me espanta.” O que fazer com as lojas
físicas? “Tenderão a ser, cada vez mais, showrooms de produtos.”
“A tentativa da Amazon é derrubar de vez a fronteira entre
transações online e off-line, incutir isso na cabeça do consumidor, ampliar seu
networking e elevar ainda mais a eficiência que distingue a empresa”, anota
Pedro Herz. O que Jeff Bezos “quer é dinamizar a intermediação financeira entre
quem vende alguma coisa e quem deseja comprar alguma coisa, seja em produtos ou
serviços. Incrível isto: cerca de 65% das compras de livros online no mundo são
feitas via Amazon”.
O empresário nota que livrarias menores têm surgido e se
consolidado. São as “independente bookstores”. Numa visita a Buenos Aires, em
julho, pude perceber o fenômeno. El Ateneo é a livraria turística por
excelência — bela e gigante (parece uma igreja italiana renascentista) —, mas há
casas menores, como a Eterna Cadência e a Guadalquivir, com um acervo
surpreendente em termos de qualidade. Vendem muito bem e não há sinal de crise.
O leitor “gosta mesmo é de bom atendimento” — afirma Pedro
Herz —, o que não ocorre, em geral, nas grandes livrarias. Eu e minha mulher, a
psicanalista Candice Marques de Lima, paulista de Santo André, visitamos a
Livraria Cultura, a nossa preferida, com frequência. Rezamos lá. Pois, nos
últimos dois anos, percebemos que a qualidade do atendimento caiu. Fica-se com
a impressão de que os atendentes querem desvencilhar-lhe o mais rápido possível
dos clientes e não são mais bem informados quanto antes. Em Buenos Aires e em
Montevidéu, em livrarias menores, quando procuramos livros da poeta, prosadora
e crítica uruguaia Cristina Peri Rossi, percebemos, de cara, que os atendentes
sabiam de quem se tratava. Ressalvando que na El Ateneo (livraria grande), um
atendente me disse: “Nunca ouvi falar desta escritora” (estudada por, entre
outros, Mario Benedetti). Trata-se de uma grande poeta. Na bela e grande
livraria Más Puro Verso, de Montevidéu, o atendimento é de primeira linha. O
vendedor soube me explicar detalhes sobre a literatura uruguaia da velha e da
nova guarda.
O e-book não foi o sucesso que se esperava. “Não foi o boom
que se apregoou e até parece estar em declínio — de novo, as pitonisas que
anunciam, pela enésima vez, a morte do livro impresso tropeçaram no engano. Se
ainda há motivos para acreditar no livro em formato tradicional, de papel, por
que uma livraria deveria temer pelo seu futuro?”, pergunta Pedro Herz.
O problema não são os livros, que continuam muito bons. O
problema são os leitores. As pessoas estão sendo absorvidas por várias outras
atividades, parecem, de tão plugadas, não enxergar um palmo além do nariz.
“Leitura é atividade solitária, concentrada, silenciosa. A que horas vamos
ler? Hoje vendemos livros competindo com essa dispersão generalizada do mundo
hiperconectado, fenômeno que está nos fazendo cada vez mais estressados e até doentes”,
sublinha Pedro Herz. DVDs e CDs, apesar dos resistentes, estão em decadência.
Para ouvir música, em todos os estilos, basta recorrer à internet. Em termos
de filmes, não dá para competir, por exemplo, com a Netflix. Esta, por seu
turno, vai enfrentar a concorrência da Amazon.
A “Internet das Coisas”, afirma Pedro Herz, vai mudar o
cotidiano das pessoas. “A ‘Internet das Coisas’ é um universo de hiperconexões
entre objetos, serviços e pessoas. Nosso dia a dia vai mudar completamente,
nosso comportamento pessoal, idem.” O varejo vai sofrer um impacto imenso. “A
intensificação da comunicação machine-to-machine talvez coloque em xeque as
lojas físicas.” O livreiro frisa que a tecnologia “não é grande amiga de
emprego”.
Crise e Potter
A Livraria Cultura, apesar de ter adquirido a rede de
livrarias da Fnac, está em crise? Está, como todo o país — exceto os bancos.
Pedro Herz admite: “A crise brasileira nos fez passar momentos difíceis nos
últimos tempos. A queda acentuada nas vendas trouxe problemas de caixa, pela
primeira vez. Precisamos renegociar com os fornecedores, um por um, pois havia
situações de pagamento em atraso”. O empresário aposta que a crise vai ser
vencida e o faturamento vai crescer. Ele até pensa em se aposentar. “Viver é
passar e deixar passar”, filosofa. Parte significativa da operação é dirigida
por um de seus filhos, Sergio Herz.
Primeiro, porque revitalizou as vendas das
livrarias. Segundo, porque contribuiu para multiplicar o número de leitores. “A
literatura juvenil vai muito bem.” O livreiro elogia a escritora Thalita
Rebouças porque “fala a linguagem dos seus leitores. Ela escreve para eles, não
para si mesma, característica não muito frequente no mundo das letras”. Talvez
seja, num livro tão belo, um dos poucos pecadilhos. Imagine se Machado de
Assis, Marcel Proust, James Joyce, William Faulkner, Graciliano Ramos, Guimarães
Rosa, que certamente escreveram para um leitor do futuro, não necessariamente
para o presente deles — inicialmente, eram escritores para críticos refinados,
e mesmo alguns dos principais críticos contemporâneos não conseguiram
compreendê-los —, tivessem escrito para agradar o público de seu tempo! Não
teriam, por certo, escrito “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, “Em Busca do
Tempo Perdido”, “Ulysses”, “O Som e a Fúria”, “Vidas Secas” e “Grande Sertão:
Veredas”. A questão, lógico, é que, como livreiro, Pedro Herz precisa vender e,
como tal, necessita de novidades-novidadeiras. São as modas que geram o boom
literário — o de qualidade, como o latino-americano (García Márquez e Mario
Vargas Llosa), e o sem qualidade, como os livros de algumas blogueiras. Aliás,
como percebe, não sem certa ironia, Pedro Herz, as blogueiras, princesas da
internet, estão publicando livros… impressos.
Aos 77 anos, Pedro Herz é um homem ativo, de uma vivacidade
rara. “Gosto de vir trabalhar de ônibus. Venho rápido. Curto a cidade.” Ele
mora no edifício Copan. Detalhe: o autor do livro não renega o passado,
aprecia-o, mas não é nostálgico. É profundamente interessado pelo avanço
tecnológico.
Depoimento
Nasci em 1961 e logo me tornei leitor, influenciado por meu
pai, Raul de França Belém. Com menos de 10 anos, pegava livros com amigos ou
pedia à minha mãe, a professora Frutuosa Fagundes (Zinha), que tomasse
emprestados na biblioteca da Escola Gercina Borges Teixeira, onde fiz o
primário. Não havia muitos livros em Porangatu. Por isso lia tudo que caía nas
mãos: Adelaide Carraro, Júlio Ribeiro (“A Carne” foi minha primeira “Playboy”…
sem fotos, é claro. Aliás, no dia que vi a primeira “Playboy”, junto com o meu
primo Paulo Henrique Fagundes, fiquei em êxtase), Monteiro Lobato (li, reli e
treli — era e é maravilhoso), José Mauro de Vasconcellos (não me constrange
dizer que li “Meu Pé de Laranja Lima” umas vinte vezes — chorando, não raro,
com o drama do Portuga), José Lins do Rego (eu amava sua literatura), Jorge
Amado (adorava até o que parece mera pornografia; há uma graça endemoninhada na
prosa do baiano raramente realçada pelos críticos), livros de bolso de faroeste
(o escritor Marcial Lafuente Estefânia era meu herói), cordel, gibis
(Homem-Aranha, Demolidor) e fotonovelas italianas.
A linguagem crua de Adelaide Carraro assustava-me e, ao
mesmo tempo, atraía. Uma vez, peguei um romance de sua autoria que estava sendo
lido por meu pai. Ele lia um trecho e guardava o exemplar na primeira gaveta da
penteadeira de minha mãe. Quando ele saía para o trabalho, era funcionário
público, eu começava a leitura. Um dia, entretido com a história, não percebi
que ele havia chegado e gritava meu nome. Sim, dos irmãos, só podia ser eu quem
se apropriara, provisoriamente, do livro. Levei umas cintadas e puxões de
orelha. Por que, na época, não entendi direito. Salvo engano, o personagem do
livro tinha o nome de Raul, e era “pederasta”, como se dizia no fim da década
de 1960 — quando eu tinha 9 anos (lia desde os 4, alfabetizado, em parte, pela
minha mãe). Ocorre que o nome do meu pai é Raul — daí, quem sabe, a ira dele.
Depois da reprimenda, li toda a obra de Adelaide Carraro, como “Chegou o
Governador”, e, mais tarde, a obra de Cassandra Rios. Seus livros não fizeram
mal, mas aos poucos fui descobrindo uma literatura de melhor qualidade — talvez
devido à “orientação” de Monteiro Lobato, com suas adaptações, e aos livros de
José Lins do Rego. Quando descobri Graciliano Ramos, por volta dos 12 anos,
fiquei mesmerizado. Li e reli “Vidas Secas” durante um mês — cerca de 8 vezes.
Algumas noites, guardava a melhor lamparina de minha casa — a energia elétrica
de qualidade demorou a chegar na cidade de Porangatu, no Norte de Goiás — e lia
a literatura do escritor alagoano com um prazer infinito. Depois li “São
Bernardo” e pensei: “Parece um pouco com meu pai”. Um pouco.
Texto e imagens reproduzidos do site: revistabula.com



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