Publicado originalmente no site Huffpost Brasil, em 28/07/2017.
Este depoimento sobre a resistência negra é o momento mais emocionante da Flip
Este depoimento sobre a resistência negra é o momento mais emocionante da Flip
"Eu trabalhei duro desde os cinco anos. Sou neta de
escravos. Aparentemente a gente teve uma libertação que não existe até
hoje."
Por Ana Beatriz Rosa (Repórter de Vozes, Mulheres e Notícias,
HuffPost Brasil).
O depoimento de Diva Guimarães na Flip emocionou o público.
Diva Guimarães, mulher negra e pobre, rouba o microfone e
deixa Lázaro Ramos em lágrimas. Essa poderia ser a descrição de uma das cenas
mais emocionantes da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty). Porém, o
momento vai muito além: Diva é um retrato do Brasil que resiste.
Em meio a uma palestra que ocorria na tarde desta
sexta-feira (28), a professora deixou o público emocionado e foi recebida com
muitos aplausos ao contar um pouco de sua história.
"Eu fiquei muito emocionada que você chamou atenção de
que estamos em uma plateia de maioria branca. Sou do sul do Paraná, você já
pode imaginar... Só sobrevivi porque tive uma mãe que passou por toda
humilhação para que os filhos pudessem estudar. Fui para um colégio interno aos
cinco anos. Passavam as freiras, as missões pelas cidades recolhendo as crianças
como se fosse assim... Em troca de você ir para essa escola estudar, na verdade
você ia para trabalhar. Eu trabalhei duro desde os cinco anos. Sou neta de
escravos. Aparentemente a gente teve uma libertação que não existe até
hoje."
A professora falou sobre situações de preconceitos que
enfrentou ao longo da vida por ser pobre e negra. Ela, que desde criança foi
ensinada sobre o que era a desigualdade, afirmou que amadureceu aos seis anos
ao ouvir de uma das freiras uma história que a marcou por toda vida.
A anedota servia para justificar o injustificável, o
racismo.
"As freiras contavam que Jesus - eu demorei muito para
aceitar o tal de Jesus -, Deus, criou um rio e mandou todos tomar banho na água
abençoada daquele maldito rio. Ai, as pessoas que são brancas é porque eram
trabalhadoras e inteligentes. Nós, como negros, somos preguiçosos. E não é
verdade. Esse país só vive hoje porque meus antepassadas deram toda a condição.
Então, nós, como negros preguiçosos, chegamos no final dos banhos e no rio só tinha
lama. E é por isso que só nossas palmas da mãos e pés são claras. Nós só
conseguimos tocar isso."
E prosseguiu:
"Ela contava essa história para mostrar aos brancos
como nós eramos preguiçosos. E não é verdade. Porque senão nós não tinhamos
sobrevivido."
No final da fala, Diva volta a relembrar sua mãe e a
importância de estudar. Para ela, ter acesso à educação foi definidor para que
pudesse construir sua própria trajetória.
"Eu sou uma sobrevivente pela educação. E pela minha
mãe. Ela me pedia: 'Olha bem pra mãe. Se você quiser ser como a mãe, não vá
para a escola'. E eu dizia: Não vou ser igual a senhora. Então ela me mandava
ir estudar. Eu ia correndo para a aula."
No final do diálogo, o ator Lázaro Ramos não conteve a
emoção: "Meu coração ficou pequeninho."
Sob aplausos da plateia, Lázaro defendeu a educação pública
e a valorização de todos os professores do Brasil.
Sobre o evento
A 15ª edição da Flip ocorre entre 26 e 30 de julho, na
cidade histórica do litoral sul do Rio de Janeiro. Paraty será palco de
reflexões e debates sobre as atuais narrativas produzidas no Brasil e no mundo.
Com curadoria da jornalista Josélia Aguiar, o evento
literário mais importante do país abre neste ano espaço inédito para a
diversidade de vozes da literatura negra.
E não só isso.
Pela primeira vez em sua história, a Flip traz um número de
autoras que supera o de autores. Serão 22 mesas com 46 autores, dos quais 22
são homens e 24 são mulheres.
O escritor homenageado deste ano será Lima Barreto
(1881-1922), autor marginal cuja trajetória foi marcada pela crítica
contundente ao cotidiano racista e de segregação social no Brasil.
Texto e imagem reproduzidos do site: huffpostbrasil.com
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