CEFORTEPE/Luiz Carlos Cappellano/Reprodução
Publicado originalmente no site Guia do Estudante, em 17 de abril de 2019
Quem foi Paulo Freire e por que ele é tão amado e odiado
O educador nunca foi e nem se pretendeu unânime, seja nos
corredores das universidades ou no campo político. Ainda assim, seu legado deve
ser reconhecido
Por Taís Ilhéu
Preso e exilado durante a ditadura militar nos anos 60,
Paulo Freire comentou em uma entrevista, em 1994, como a história molda os
discursos, e que ele já não era mais demonizado como fora antes. A história é
mesmo curiosa, já que nos últimos anos o nome de Freire voltou às rodas de
alguns setores da sociedade, que veem no educador um doutrinador e propagador
do comunismo. Mas, afinal de contas, qual era a proposta de Freire para a
educação? Por que ele é tão odiado por alguns e tão amado por outros?
Educação como prática de liberdade
De acordo com o biógrafo Sérgio Haddad, que em breve lançará
um livro sobre a trajetória de Freire, o texto do inquérito divulgado logo
depois que o educador partiu para o exílio afirmava que ele era “um dos maiores
responsáveis pela subversão imediata dos menos favorecidos”.
Essa frase diz muito sobre a metodologia de Paulo Freire e
por que ela gerava tanto incômodo. O método tratava uma maneira de educar
intrinsecamente ligada à vida cotidiana — e por isso também à política. O
educador era contra o que chamava de “educação bancária”, que colocava o
professor como detentor do conhecimento e o aluno apenas como depositório. Para
ensinar, de acordo com ele, era preciso partir da experiência do aluno e do que
ele conhecia.
Foi assim que um grupo de professores, sob sua liderança,
ensinou 300 adultos a ler e escrever em menos de 40 horas, na cidade de Angicos
(RN), em 1963. A metodologia envolvia ensinar os fonemas por meio de palavras
que faziam parte do cotidiano dos trabalhadores, como tijolo. A alfabetização
em massa inspirou o Plano Nacional de Alfabetização, que foi arquivado e nunca
mais retomado depois do Golpe de 1964.
Projeto anticomunismo
Inicialmente, a experiência de Freire foi financiada pela
Aliança para o Progresso, do governo dos Estados Unidos, que acreditava que a
alfabetização era um caminho para combater o avanço do comunismo no Brasil. O
governo militar, no entanto, viu nela um perigo iminente de revolta dos “menos
favorecidos”. Isso porque Freire acreditava na educação como ferramenta de
transformação social, como forma de reconhecer e reivindicar direitos.
De acordo com uma reportagem publicada pela ONG Repórter
Brasil, muitos atribuíram uma greve dos trabalhadores em Angicos, que
reivindicavam carteira de trabalho assinada e repouso semanal, às discussões
ocorridas durante a experiência de alfabetização de Paulo Freire. Ao ensinar a
escrever a palavra “trabalho”, os professores também levantavam discussões
sobre o assunto, e os alunos chegaram inclusive a ler artigos da CLT.
Um outro ponto sensível aos militares da época tocado por
Freire e o Plano Nacional de Alfabetização era o direito ao voto. Na época,
apenas quem sabia ler e escrever poderia votar. Ou seja, Paulo Freire estava
formando leitores e eleitores críticos.
Paulo Freire ao redor do mundo
De acordo com Sérgio Haddad, durante os 15 anos de seu
exílio, Paulo Freire passou por diversos países a convite de governos,
universidades, igrejas e movimentos sociais. De volta ao Brasil, deu aulas na
PUC-SP e na Unicamp, e, de 1988 a 1991, foi secretário municipal de Educação na
gestão de Luiza Erundina na prefeitura de São Paulo.
Paulo Freire é o brasileiro que mais recebeu títulos honoris
causa pelo mundo. Ao todo, foi homenageado em pelo menos 35 universidades
brasileiras e estrangeiras. Além disso, mais de 350 escolas ao redor do mundo
levam seu nome.
Em 2016, o especialista em estudos sobre desenvolvimento e
aprendizagem Elliott Green, professor da London School of Economics, realizou
um levantamento por meio do Google Scholar e elencou Pedagogia do Oprimido, um
dos livros de Paulo Freire, como a terceira obra mais citada em trabalhos na
área das humanidades em todo o mundo. À época, ela já havia sido citada 72.359
vezes.
Diversos centros de estudo ao redor do globo se dedicam a
estudar a obra de Paulo Freire. De acordo com a BBC, entre os países que
estudam e aplicam o método do educador estão a África do Sul, Áustria,
Alemanha, Holanda, Portugal, Reino Unido, Estados Unidos e Canadá. A Revere
High School, escola em Massachusetts que já chegou a ser considerada a melhor
escola pública de Ensino Médio dos EUA, é uma das aplicadoras.
Discordâncias
A mesma matéria da BBC aponta, no entanto, que não há
unanimidade entre pesquisadores a respeito de sua obra e da universalidade de
sua metodologia. O especialista em formação de professores Douglas J. Simpson,
da Faculdade de Educação da Universidade Cristã do Texas, por exemplo, publicou
um artigo que causou polêmica ao questionar se Paulo Freire deveria ser
“engavetado”.
Simpson afirmou também que não concorda com a aplicação de
uma mesma metodologia em todas as escolas, e que é preciso também se basear em
“práticas meritórias”. Na década de 70, um outro pedagogo americano chegou a
afirmar que a pedagogia de Freire abria espaço para acusações de doutrinação e
manipulação.
De acordo com seu biógrafo, no campo político Paulo Freire
também não gerava consenso. Recebia críticas dos setores progressistas por
conta da sua linguagem com ênfase no masculino (ao menos nas primeiras obras) e
por ser contra o aborto, por exemplo.
No entanto, sua contribuição e relevância no campo da
educação, a despeito das críticas que possam ser feitas a ele, são consenso
entre pesquisadores, assim como seus esforços para estimular o diálogo e o
respeito em sala de aula. “Paulo Freire ensinou, acima de tudo, que precisamos
aprender a ouvir, a entender e a respeitar uns aos outros”, afirmou seu crítico
Douglas J. Simpson.
Texto e imagem reproduzidos do site: guiadoestudante.abril.com.br
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