A autora com seu marido em 2015, na cerimônia de promoção
E-6 dele.
Publicado originalmente no site HUFFPOST BRASIL, em 29 de agosto
de 2020
Como é a minha vida sendo pansexual em um 'casamento
heterossexual'
“Muitas pessoas se surpreendem quando ficam sabendo sobre
minha sexualidade. Imaginam que o fato de ter marido significa que sou
hétero."
By Jillian Johnson, HuffPost US
Meu marido serve na Força Aérea fazendo a manutenção de
aeronaves, e eu sou mãe que cuida dos filhos em casa, estudante universitária e
escritora freelancer. Trabalho como voluntária no clube de cônjuges da
instalação militar local, na função de presidente do comitê. Temos três filhos
lindos (duas meninas e um menino), dois gatos e um cachorro. Moramos num
sobrado na base que tem quintal grande e fica no final de uma rua sem saída,
bem tranquila. Acenamos para nossos vizinhos quando os vemos na rua e
procuramos não fazer muito barulho, para não incomodar ninguém.
Quem nos vê deve imaginar que somos um casal heterossexual
totalmente normal e monogâmico. Mas, embora seja verdade que somos monogâmicos
(e talvez levemente normais), só um de nós é hétero.
Muitas pessoas se surpreendem quando ficam sabendo que sou
pansexual. Não que eu procure esconder minha sexualidade – falo disso
abertamente quando o assunto é mencionado numa conversa. Mas as pessoas
geralmente supõem que eu seja hétero porque sou uma mulher casada com um homem.
O tópico de minha sexualidade vem à tona com frequência em
junho, que é o mês do Orgulho LGBTQ. Falo muito abertamente sobre minha
sexualidade nas redes sociais, e também sobre a aceitação da comunidade LGBTQ
como um todo. Quando amigos recentes descobrem sobre minha sexualidade, uma de
duas coisas acontecem. Ou eles aceitam e continuamos a conversar, ou ficam
espantados, porque, como dizem, “afinal, você é casada com um homem”.
Até agora não me aconteceu de alguém dizer “não podemos ser
amigos porque você é uma abominação”. É surpreendente, considerando que vivemos
no Sul profundo dos Estados Unidos. Me considero uma pessoa de sorte por isso.
Quando alguém toma conhecimento de minha sexualidade, a
pessoa geralmente tem perguntas a me fazer, incluindo: o que significa ser
“pansexual”? De que modo difere de “bissexual”? Quantas mulheres você já
namorou? Você transaria com um extraterrestre? E se o extraterrestre não
tivesse gênero? (Sim, essa é uma pergunta de verdade que já me fizeram.) O que
seu marido pensa disso? Vocês têm um casamento aberto?
Não me importo de responder algumas dessas perguntas,
sinceramente, nem de desfazer alguns dos equívocos inerentes a outras delas.
Ser pansexual significa que me sinto atraída por pessoas de
todos os gêneros. Tenho o maior respeito pela identidade de gênero de uma
pessoa, mas o gênero não influi muito sobre minha atração romântica ou sexual
inicial por alguém. Sem medo de usar um chavão, posso dizer que o que me atrai
mais é o que a pessoa é por dentro, não por fora.
Me identifico como pansexual, em lugar de bissexual, porque
sinto atração pelas pessoas independentemente de como elas entendem ou rotulam
seu gênero, ou se elas se negam a identificar-se com qualquer gênero, e não
apenas pelos dois gêneros binários, masculino e feminino, que a sociedade
reconhece mais amplamente. Muitos bissexuais também sentem atração por todos os
gêneros, mas ainda usam o termo “bissexual” por seu legado histórico e para
manter a visibilidade da comunidade bissexual, e eu os apoio nisso. Mas
“pansexual” é o termo que me parece mais adequado para descrever minha própria
identidade sexual.
Ser pansexual significa que sinto atração por todos os
gêneros. Tenho o maior respeito pela identidade de gênero de uma pessoa, mas o
gênero não influi muito sobre minha atração romântica ou sexual por alguém.
Quanto a algumas das outras perguntas, já namorei algumas
mulheres e uma pessoa que se considerava não binária, ou seja, não se
identificava como exclusivamente mulher ou homem.
Eu namoraria um extraterrestre de gênero neutro, sim, se ele
tivesse qualidades pessoais que eu achasse atraentes. Talvez até fosse dar uma
voltinha em sua nave espacial e fosse conhecer seu planeta.
Meu marido me aceita de todas as maneiras – aceita até
minhas falhas, que incluem teimosia, impaciência e, de vez em quando, ser melodramática
demais. Somos supermonogâmicos e, sob muitos aspectos, vivemos uma vida tão
emocionante quanto a de muitos outros casais casados. Discutimos sobre quem
fica com o contrrole remoto, quem vai lavar a louça naquela noite; trollamos os
posts um do outro nas redes sociais, nos aconchegamos juntinhos no sofá para
curtir Netflix. Quando vamos para a cama, dormimos de conchinha.
Acredite se quiser, já tive mais reações negativas de outros
membros da comunidade LGBTQ. Já me falaram que eu “escolhi um lado” e que não
sou realmente LGBTQ “porque você casou com um homem”. Ser acusada de invalidar
minha sexualidade por ter um relacionamento heterossexual é ao mesmo tempo um
pouco engraçado e um pouco desanimador, especialmente quando isso parte das
pessoas que eu imaginava que seriam as que mais me aceitariam. Mas isso só
ocorreu algumas vezes, então procuro não me abalar demais.
Uma vez uma mulher que eu realmente respeitava (e por quem
ainda sinto muito respeito) me fez uma pergunta difícil de responder: “Por que
sua sexualidade é tão importante, agora que você é casada?”.
Eu não soube realmente como lhe responder na época, mas hoje
acho que consigo responder perfeitamente à pergunta dela. Há duas coisas que
quero que ela e todo mundo saibam:
Ser casada com meu marido não me converte automaticamente em
hétero. Na realidade, acho que isso valida ainda mais meu amor por ele, devido
à razão por que o amo. Sim, ele é um homem incrivelmente atraente, mas me
apaixonei por ele porque ele é inteligente, bondoso, altruísta, hilário e temos
um vínculo profundo de alma. Respeito o homem que ele é, mas não foi por causa
de seu gênero que me apaixonei por ele.
Quero ser aceita como sou, pelo que eu sou. Minha
sexualidade pode não me definir por inteira, mas é uma parte de mim. Como
qualquer outra pessoa que saiu do armário, por assim dizer, quero ser aceita
por outros e não ter que esconder algumas das coisas mais importantes a meu
respeito. É importante eu ser ouvida e validada pelas pessoas que amo. E mais,
minha pansexualidade não desapareceu quando me casei com um homem (e nunca vai
desaparecer), e o simples fato de nosso casamento poder ser definido
tecnicamente como um relacionamento heterossexual não significa que eu seja
heterossexual.
Há momentos em que minhas respostas acabam confundindo as
pessoas. Mas não as culpo, já que eu mesma só descobri o que é pansexualidade
dois anos atrás. Foi quando percebi que o rótulo de “pansexual” me descreve
melhor do que “bissexual”.
Eu me assumi como bissexual originalmente em 2001, quando
tinha 13 anos de idade e tive minha primeira namorada. Se bem que o termo não
me parecesse muito apropriado, mesmo na época, foi o que fazia mais sentido
para mim. Vivíamos numa cidade pequena onde ser LGBTQ não era considerado
“normal” ou “aceitável” na época. Tentamos guardar segredo sobre nosso
relacionamento, por medo de sermos ridicularizadas (os adolescentes podem ser
muito cruéis, sabe?!). Mas, como é o caso com a maioria dos segredos, a verdade
acabou vindo à tona.
Quando as pessoas souberam que estávamos namorando, muitas
desaprovaram. Minha mãe descreveu nosso relacionamento como “uma fase”, dizendo
que eu acabaria “superando isso”. Nosso relacionamento durou uns seis meses. As
críticas constantes dos nossos colegas acabaram pesando, e terminamos o namoro.
Quatro meses mais tarde, comecei a namorar um garoto de
minha classe. Não demorou para a maioria dos meus colegas esquecer meu
relacionamento anterior (e o fato de eu ter me assumido como bissexual).
Meu hoje marido e eu começamos a namorar no colégio, e só
depois de alguns meses é que eu me assumi como bissexual para ele (não sei bem
como, ele não ficara sabendo que eu havia namorado uma menina, apesar de a
nossa cidade ser minúscula e de as fofocas se propagarem a jato). Ele ficou
espantado em um primeiro momento, mas acabou se conformando com o fato de eu
“não ser exatamente hétero”. Afinal, eu o havia escolhido.
Rompemos um ano depois de começarmos a namorar. Ele foi meu
primeiro amor de verdade. Fiquei arrasada. Mas, depois de sofrer por algum
tempo, comecei a sair com homens, mulheres e a pessoa não binária que citei
acima. Aprendi muito sobre o que eu realmente queria de um relacionamento e não
me arrependo de nada.
Alguns anos mais tarde, meu futuro marido e eu voltamos a
ficar juntos. Nos casamos, tivemos filhos e agora vivemos felizes para sempre
(geralmente).
Ele eu conversamos frequentemente sobre questões LGBTQ. A
visão dele sobre a comunidade evoluiu muitíssimo desde que primeiro ficamos
juntos. Pelo fato de termos crescido numa cidadezinha pequena, ele não chegou a
ser exposto a muitas pessoas abertamente LGBTQ, por isso não sabia realmente
como reagir. Hoje, como meu marido e militar, ele já aprendeu muito sobre nossa
comunidade e como ser um aliado.
Agora que nossos filhos estão crescendo, estamos tendo
conversas sobre questões ligadas a LGBTQs também com eles. Meu filho mais velho
tem 14 anos e foi ensinado a enxergar todas as formas de amor como normais. Não
me surpreendi quando ele me contou que sua melhor amiga é lésbica e acho que
ele não pensou duas vezes no assunto quando ela lhe contou. Ele é um ótimo
aliado dela e acredito que ele o será para o resto da comunidade quando
crescer.
Minha filha do meio, que recentemente assistiu àquela
revelação surpreendente de amor (alerta de spoiler!) e àquele beijo entre Catra
e Adora em “She-Ra: Princesses of Power”, me perguntou por que as personagens
se beijaram.
“Você não ouviu o que elas estavam falando?”, respondi.
“Elas se amam!” “Bem, Mamãe, que legal que elas podem ficar juntas”, ela
respondeu.
É incrível (se bem que não deveria ser, na realidade) como as
crianças aceitam facilmente o amor entre duas pessoas – quaisquer duas pessoas.
Os adultos têm muito a aprender com elas. Podemos aprender que às vezes a
resposta mais simples é a melhor e que, em última análise, o amor é bom em
todas suas formas.
Então me casei com um homem hétero, sim, mas isso não quer
dizer que eu ainda não seja pansexual. Quer dizer que optei por passar minha
vida com a pessoa que amo – que, por acaso, é um homem. Tenho orgulho de minha
sexualidade e abraço a oportunidade de ter papos sadios sobre pansexualidade
com pessoas que queiram entender isso melhor. Espero continuar a contribuir
para conversas que incentivem a aceitação, tanto com a comunidade LGBTQ quanto
com meus pares heterossexuais.
Jillian Johnson é esposa de um militar da Força Aérea, mãe,
ativista da saúde mental e LGBTQ, Sonserina com muito orgulho e uma alma
criativa. Ela é uma garota da Califórnia que está se adaptando à vida no Sul
com seu marido, três filhos e três filhos bichos. Ela é também uma escritora
freelancer, está estudando psicologia com foco sobre o desenvolvimento infantil
e adolescente, e é voluntária ativa em sua comunidade militar local. Seu
trabalho já foi publicado no blog MilSpo Co. e na revista Military Spouse. Em
suas horas de lazer, Jill curte ler, jogar games e fazer ocasionais viagens de
carro espontâneas com sua família.
Texto e imagem reproduzidos do site: huffpostbrasil.com
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